O maior sonho de uma trupe de artistas é ter a sua própria sede. Um espaço físico para chamar de seu, onde o grupo cria, ensaia e apresenta espetáculos, experimenta e mistura linguagens, confecciona cenários e figurinos, realiza cursos e oficinas, faz leituras dramáticas e, quando possível, ainda conta com um charmoso café e uma lojinha com objetos de arte, artesanato e roupas descoladas.
Tudo isso se tornou realidade para a Cia Teatro do Mundo desde 26 de novembro, quando o grupo inaugurou a Estação Cultural Teatro do Mundo (ECTM), com a estreia de um monólogo estrelado por Laura Santoro e dirigido por Fernando Lopes, que virou a sensação do circuito local quase no apagar das luzes de 2022.
A estação fica no número 177 da Rua Barão de Melgaço, no centro de Campo Grande.
GLAUCE E CLARICE
Inspirada nas trajetórias fulgurantes de Glauce Rocha e Clarice Lispector, a montagem em questão se chama "Como Nascem as Estrelas" e voltou a entrar em cartaz de supetão, na semana passada, após a curtíssima temporada de "Valsa Nº 6", de Nelson Rodrigues, mais um monólogo, dessa vez com Tauanne Gazoso fazendo a única personagem em cena.
"Como Nascem as Estrelas" segue com apresentações de quinta-feira a domingo até o dia 29, com ingressos a R$ 20. Mas o irrequieto Fernando Lopes, que dirige os dois espetáculos ambos integram o projeto Incendiárias Solos Femininos e a Cia Teatro do Mundo, além de pilotar, com uma tripulação de primeiro time, a ECTM, já antecipa outras cinco estreias para os próximos meses.
PRÓXIMAS ESTREIAS
"Os próximos trabalhos da cia, que estão em processo acelerado, com previsão de estreia, são 'Amor 1980', 'O Monólogo da Puta no Manicômio', 'Romeu e Julieta', 'Um Shakespeare para Crianças', 'Meu Preto É Um Príncipe' e 'Flicts Um Ziraldo Colorido'.
Todos com estreia prevista para o primeiro semestre de 2023", adianta o encenador, de quem vemos brilhar os olhos quando fala do arrojado empreendimento, instalado onde funcionava uma casa de festas.
O CASARÃO
"Conheci o casarão da Barão de Melgaço no início de 2021, estávamos ainda vivendo os horrores da pandemia e o espaço estava fechado e se deteriorando, tinha sido invadido por bandidos, estava sem a fiação elétrica. Mas, mesmo com todos os problemas, era um espaço de arte quase pronto, só faltava quem se interessasse em abrir as portas para deixar a arte entrar, e foi o que fizemos", conta Fernando Lopes.
"Fizemos o que o espaço estava nos dizendo para fazer e tínhamos as pessoas certas. A sala onde é o Café do Teatro não tinha piso, nem forro, nem luz, as telhas e as janelas estavam quebradas, mas o Fábio Soares olhou e viu ali o café, que já estava nos seus planos, nos seus sonhos, então começamos a trabalhar nisso", diz o também e sobretudo ator, bastante conhecido pela cidade como o palhaço Bolonhesa ou na pele de outros personagens.
"O salão principal já tinha um palco, quando eu entrei senti que ali seria a nova sala de espetáculos e de exposição de artes da cidade. A varanda e o átrio eram tão charmosos que só faltava um palco redondo, que batizamos de espaço Ditirambo, em homenagem aos poetas gregos. Aquelas palmeiras [que há no local] são nossas colunas gregas", afirma.
"Então, estávamos procurando um lugar para ser nossa sede, um teatro para apresentar nossos espetáculos, mas achamos um espaço de arte completo, um lugar para tomar um café, trabalhar, se divertir, criar. A sala menor, a lojinha, tudo veio muito a calhar", enumera um Lopes encantado com o próprio milagre, que assumiu ao lado dos parceiros.
TODAS AS ARTES
O diretor prossegue com a menção às ceramistas Helena Soares e Neila Vieira, sócias da Estação Cultural que conduzem a lojinha.
"Convidamos outros artesãos para que ali fosse uma loja cooperativa, e aí criamos a Boutique do Teatro. Todos esses empreendimentos fazem parte da nossa lógica de economia criativa, o espaço precisa ser sustentado, e essas são algumas de suas pernas de apoio", aterrissa Lopes, mas sem recolher o trem de pouso.
"A ideia é dar à cidade um espaço independente para arte independente. Somos muitos artistas, não só do teatro, de todos os segmentos, e não temos um espaço onde possamos apresentar nossas artes. Os espaços públicos estão fechados, os teatros privados são caros e não propõem projetos de acolhimento dos artistas locais", afirma o encenador.
"Neste espaço, que é a sede da Cia Teatro do Mundo, ensaiamos, criamos nossos espetáculos, apresentamos, damos aula, convidamos os amigos artistas para apresentarem seus trabalhos, oferecemos oficinas diversas e recebemos artistas de diversas áreas, artes plásticas, dança, circo, cinema, performance, música, poesia. É um espaço de encontro das artes", conta Lopes, que diz estar ainda experimentando com as possibilidades da ECTM.
FAÇA PARTE
"Estamos estudando horários, recebendo propostas, criando possibilidades, mas já somos um espaço necessário. Todas as pessoas que frequentam a estação saem encantadas ao saber que em Campo Grande temos um espaço como esse. Eu sempre digo que é responsabilidade de todos nós mantê-lo aberto", convoca Lopes.
A ECTM oferece várias formas de adesão para quem quiser colaborar. Mais informações pelo Instagram @estacaoculturalteatrodomundo.
"O espaço é uma realidade, necessário para nossa capital, para nosso estado. Estamos buscando parceiros para que nosso desejo seja ainda mais sustentável. O maior desafio é sustentar o espaço, não é barato manter um espaço como esse. Precisamos da ajuda de todos", reforça o diretor.