“Eu te amo ternamente, loucamente, tragicamente”. É o que responde o roteirista Paul aos caprichos da esposa Camille quando o indaga sobre os apreços para com ela.
Ele é o ator Michel Picolli e ela, Brigitte Bardot, em seus papéis no longa-metragem “O Desprezo” (“Le mépris”, 1963), de Jean-Luc Godard (1930-2022), que abre hoje a Mostra Audiovisual Godard.
Mais dois títulos do cineasta franco-suíço ganham a tela do Museu da Imagem e do Som até a próxima sexta-feira.
Na quarta-feira, sempre às 19 horas e com entrada franca, estará em cartaz “Tudo Vai Bem” (“Tout va Bien”, 1972); e na sexta-feira, “Nouvelle Vague” (“Nouvelle vague”, 1990).
Três filmes e três diferentes fases de um diretor genial que, de ponta a ponta, em uma filmografia de 50 longas-metragens produzidos ao longo de 60 anos, não parou de indagar, com o seus temas e a forma de encená-los, o que é e o que pode o cinema enquanto linguagem frente às outras artes e a ante a própria vida.
Com suas indagações, o cineasta, que morreu no dia 13 de setembro, foi permanentemente renovando - muitas vezes, corroendo mesmo - os modelos e convenções que ditavam o cinema mais narrativo e comercial.
Desprezo: Brigitte Bardot no papel de Camille em “O Desprezo” (1963), de Jean-LuC Godard (Foto: Divulgação)Em “O Desprezo”, que apresenta o diálogo logo após a bela sequência de abertura, a sensualidade e apuro dramático da encenação, com um conhecido ator (Picolli)e a maior estrela daquele momento (Bardot), é apenas um pequeno exemplo da fartura do jogo de espelhos com a qual Godard nos faz debruçar sobre o cinema, de suas engrenagens mais práticas e cotidianas até profundas implicações simbólicas que o dispositivo logra na sensibilidade das plateias.
O filme que se realiza, na ficção, dentro do filme é uma adaptação da “Odisseia”, para a qual um insensível produtor do cinemão (Jack Palance) impõe uma trama mais passional que épica.
Ítaca transpõe-se para a igualmente estonteante paisagem da Ilha de Chipre e o diretor da malograda produção é ninguém menos que Fritz Lang, gênio que a partir do expressionismo alemão posicionou-se como um dos pilares do cinema.
A Cinecittà, um dos grandes estúdios de filmagem de outrora, em Roma, revela-se uma locação intrigante com ares de mausoléu.
“Tudo Vai Bem”, com Jane Fonda e Yves Montand no elenco, uma vez mais repõe uma situação de set de cinema como porção da própria vida.
No caso, a luta de classes em meio a uma greve em uma fábrica de salsichas, o sequestro do patrão e o inusitado encontro de um casal.
Com ecos da forte militância que se ergue a partir dos protestos de maio de 1968, o longa marca o fim do grupo Dziga Vertov e da parceria de Godard com Jean-Pierre Gorin.
Dos três filmes da mostra, é o que mais esvazia a mise-en-scène, no sentido tradicional, e interrompe qualquer possibilidade de espetáculo gratuito na telona em favor do engajamento.
Alain Delon e Domiziana Giordano no longa-metragem "Nouvelle Vague" (1990), de Jean-Luc Godard (Foto: Divulgação)“Nouvelle Vague” nos traz a beleza impressionante de Domiziana Giordano como uma condessa que se seduz por um errático Alain Delon de meia idade e depois o afoga.
De novo, a arte e a vida como medida uma da outra. E mais um ataque a Hollywood e ao capitalismo.
Em um filme que pensa o cinema desde o título, o diretor francês recorre a suas inspiradas, e célebres, citações literárias e não deixa de brindar o espectador com planos de marcada composição e beleza.
O notável trabalho de William Lubtchansky na fotografia coloca-se à altura do que fez o mestre Raoul Coutard para a excelência do cinema de Godard.
A mostra é uma parceria do MIS com o Cine Café, o curso de Audiovisual da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e a Aliança Francesa.
A curadoria é do professor Júlio Bezerra.




