Um dia depois de o juiz federal Roberto Polini, da 1ª vara Federal de Três Lagoas, anunciar a decisão de que manteve a liminar que barra a transferência do controle da indústria de celulose Eldorado para a Paper Excellence, a empresa de capital indonésio acionou um de seus advogados, o ex-presidente Michel Temer, para fazer um alerta sobre a insegurança jurídica que esta indefinição causa não só em Mato Grosso do Sul, mas em todo o agronegócio brasileiro.
De acordo com o ex-presidente, em entrevista exclusiva ao Correio do Estado, a ação popular que deu origem a todo este imbróglio jurídico que se arrasta desde 2017 pode acabar expulsando do Brasil alguns dos gigantes do agronegócio.
Com base naquela ação popular protocolizada em Chapeco (SC), o professor Rodrigo Monteferrante Ricupero, da Universidade de São Paulo (USP) entrou com seis ações do mesmo tipo contra empresas como Cargil, Bunge, SLC Agrícola, Brasil Agro, Shell (leia-se Raízen) e Bracell, todas do agronegócio.
“Duas destas empresas nos procuraram e falaram: olha, se essa ação popular prosperar, a gente vai embora do Brasil”, afirmou o ex-presidente em entrevista por telefone na tarde desta sexta-feira (9) ao Correio do Estado.
Ele preferiu não citar os nomes para não provocar constrangimentos às empresas, que já estão se defendendo na Justiça contra o argumento de que estrangeiros só podem ter terras no Brasil si tiverem prévia autorização do Congresso ou do Incra. Nenhuma delas porém, obteve esta autorização prévia.
E é exatamente esta falta de autorização prévia que levou o Tribunal Regional Federal da quarta região (de Porto Alegre), a conceder liminar favorecendo a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, para que não sejam obrigados a repassar à Paper o controle acionário da fábrica de Três Lagoas.
Em meio a uma guerra judicial que se arrasta há cerca de oito anos, a Paper recorreu ao Superior Tribunal de Justiça para que o tema fosse julgado na Justiça Federal em Três Lagoas, onde está localizada a Eldorado.
A esperança era devque a liminar fosse cassada e a empresa da Indonésia pudesse finalmente assumir o controle da empresa que à época foi avaliada em cerca de R$ 15 bilhões. Porém, a decisão do juiz foi contrária aos interesses dos indonésios.
Advogado há 62 anos e professor de Direito Constitucional ao longo de quase quatro décadas, o ex-presidente da República respirou fundo antes fazer algum juízo de valor sobre a decisão desta quinta-feira
Limitou a dizer que “estranhamos essa decisão judicial. Parece que alguns estrangeiros podem e outros não podem ter terras. É uma decisão não jurídica e quase política. Parece que o juízo de primeira instância não fez um exame completo do material. Simplesmente manteve o que disse o TRF4”, afirmou Temer ao fazer uma crítica bem polida à decisão do magistrado de Três Lagoas.
De acordo com a Paper, são apenas 14 mil hectares (um viveiro de mudas de eucalisptos e o terreno no qual está instalada a fábrica) que pertencem à Eldorado. Isso, segundo a Paper, equivale a apenas 0,6% do capital da empresa, que nem mesmo está sob controle do grupo estrangeiro. As áreas ocupadas pelas florestas de eucaliptos que abastacem a fábrica somam em torno de 300 mil hectares.
“Eles não querem terras, querem somente produzir celulose. Até já fizeram registro público abrindo mão destas áreas”, alega Michel Temer, que em dezembro de 2012, na condição de presidente em exercício, participou da inauguração da Eldorado ao lado do tenor italiano Andrea Bocelli e dos irmãos Batista.
CONTRADIÇÃO
Mas, apesar da suposta insegurança jurídica causada por essa ação popular de que estrangeiros não podem ter terras rurais, empresas com a chilena Arauco e a indonésia Bracell estão a todo vapor investindo R$ 25 bilhões e R$ 16 bilhões, respectivamente, em fábricas de celulose em Mato Grosso do Sul.
Por conta das restrições da legislação brasileira, elas não compram nem arrendam as áreas. Usam o termo de usufruto, em contratos que valem por até 30 anos.
“Pois é, mas se um dia prevalecer a decisão dessa ação popular de que estrangeiros não podem ter terras no Brasil, essas empresas vão ter que ir embora. Veja que interessante, cria-se um problema muito sério para o Estado de Mato Grosso do Sul. Já pensou se elas pararem no meio do caminho?”, alerta o advogado e consultor da Paper.
INVESTIMENTOS
Em abril do ano passado, em uma espécie de discurso para conseguir o apoio da comunidade e das autoridades brasileiras, Wesley Batista afirmou, na presença do presidente Lula em Campo Grande, que o grupo J&F pretende investir R$ 25 bilhões na duplicação da capacidade de produção da Eldorado assim que acabar essa guerra jurídica.
De acordo com o ex-presidente Temer, “o que eu ouço da Paper é que eles vão investir até mais que isso aí em Mato Grosso do Sul. Veja, a Paper é uma empresa que atua unicamente no setor de papel e celulose em países como Canadá, Indonésia Estados Unidos e agora no Brasil. Então, eles tem todo o interesse de expandir seus negócios”.
O próximo passado será o julgamento do mérito da ação popular, que na primeira instância em Santa Cataria havia sido favorável à Paper. Mas, qualquer que seja a decisão, a tendência é de que uma das partes recorro ao Tribunal Regional Federal da terceira região e posteriormente ao Superior Tribunal d Justiça. Ou seja, a guerra judicial está longe de acabar.