A Prefeitura de Campo Grande e o Instituto Municipal de Previdência de Campo Grande (IMPCG) ingressaram na Justiça com uma ação de compensação de créditos contra o Banco Master S.A., que teve sua liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central em novembro deste ano.
O objetivo é reter valores de consignados por meio do programa Credcesta, que seriam repassados ao banco e compensá-los com créditos que a autarquia previdenciária possui junto à instituição financeira.
Segundo a petição protocolada na Vara de Fazenda Pública e de Registros Públicos da Comarca de Campo Grande, o IMPCG aplicou em abril de 2024 R$ 1,2 milhão em uma Letra Financeira emitida pelo Banco Master, com vencimento previsto para 2029.
Com a liquidação extrajudicial decretada pelo Banco Central, em 18 de novembro o título teve vencimento antecipado, tornando-se crédito líquido e exigível. O saldo atualizado em outubro deste ano era de R$ 1,427 milhão.
Ao mesmo tempo, tanto a Prefeitura quanto o IMPCG mantêm contratos de consignação com o Banco Master, o Credcesta, que permitem descontos em folha de servidores ativos, aposentados e pensionistas.
Neste mês de dezembro, o valor a ser repassado ao banco, referente às consignações de novembro, soma R$ 1,431 milhão. A ação sustenta que, diante da reciprocidade de créditos e débitos, é cabível a compensação entre as partes.
Feito por Denis Felipe com IAHá 1 ano que o Correio do Estado denuncia, com reportagens em primeira mão, a armadilha que os servidores são expostos no Credcesta, colocando sua margem consignada de salário para o crédito rotativo de cartão de crédito.
Na ação protocolada nesta segunda-feira, os procuradores municipais argumentam que a compensação é amparada pelo Código Civil e pela Lei de Falências, aplicada subsidiariamente à liquidação extrajudicial de instituições financeiras.
Além disso, destacam que os recursos previdenciários possuem natureza pública e alimentar, destinados ao pagamento de benefícios de servidores, o que reforça o caráter extraconcursal do crédito e sua prioridade diante de outros credores.
Na peça, os autores pedem tutela antecipada de urgência para que o juiz autorize a retenção imediata dos valores que seriam repassados ao Banco Master no dia 20.
O pedido inclui também a determinação para que o banco se abstenha de adotar medidas contra os servidores consignatários, como negativação em cadastros de crédito ou ajuizamento de ações de cobrança.
A ação ressalta que a medida busca proteger o patrimônio previdenciário municipal e evitar prejuízos ao erário, garantindo que os recursos aplicados retornem aos cofres públicos.
Os procuradores lembram que decisão semelhante já foi concedida ao Estado do Rio de Janeiro e ao Rioprevidência, em caso envolvendo o mesmo banco, reconhecendo a extraconcursalidade dos créditos previdenciários.
Outro ponto destacado é a proximidade entre os valores devidos reciprocamente: R$ 1,427 milhão a ser restituído pelo Banco Master e R$ 1,431 milhão a ser repassado pela Prefeitura e pelo IMPCG. A compensação, segundo os autores, permitiria a quitação simultânea das obrigações, sem necessidade de inscrição no quadro geral de credores da liquidação.
SERVIDORES ENDIVIDADOS
A ação da Prefeitura e do IMPCG contra o Banco Master ocorre em paralelo ao drama vivido por centenas de servidores municipais que caíram na chamada “armadilha” financeira da instituição. Reportagem do Correio do Estado mostrou que só neste ano foram ajuizadas mais de 270 ações em Campo Grande, de trabalhadores que alegam dívidas impagáveis e juros abusivos.
O produto oferecido pelo banco, o Credcesta, foi vendido como consignado, mas, na prática, funcionava como um cartão de crédito com desconto apenas do pagamento mínimo em folha.
Isso levou ao superendividamento de servidores como a agente comunitária de saúde R. E. S. A., que relatou: “Tenho um salário de R$ 3.703,67, mas vinha tendo descontos de R$ 3.157,35, sobrando apenas R$ 546 à minha disposição”.
Outro caso emblemático é o da servidora I. V. S. L, que nunca utilizou o cartão, mas mesmo assim sofre descontos mensais: “Nunca saquei nada, nunca usei o cartão, mas todos os meses o banco retira R$ 265 da minha folha”.
Advogados classificam os contratos como abusivos e lesivos. A defensora Laís Fujimori destacou: “Atualmente, a autora encontra-se em situação de endividamento progressivo e eterno, onde o desconto mensal não reduz a dívida principal, mas apenas cobre encargos financeiros abusivos, mantendo-a aprisionada a um contrato flagrantemente lesivo”.
Esses relatos mostram que, além de deixar calote em fundos de pensão como o IMPCG, o Banco Master sustentava sua operação com juros elevados cobrados de servidores quase insolventes. A liquidação extrajudicial não extinguiu essas dívidas, que continuam sendo cobradas pelo interventor nomeado pelo Banco Central.
Assim, a crise expõe duas faces: de um lado, o poder público busca proteger recursos previdenciários e evitar prejuízos ao erário; de outro, trabalhadores tentam escapar de contratos que comprometem quase toda sua renda mensal.
A Justiça terá de decidir sobre ambas as frentes – a compensação de créditos entre o Município e o banco e a proteção dos servidores superendividados.


