A reforma tributária, instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023, representa a maior transformação no sistema fiscal brasileiro em décadas. Com a substituição de cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois novos (IBS e CBS), o cenário para empresas de todo o País está prestes a mudar. A data-limite para essa adaptação é janeiro de 2026 e, para o empreendedor sul-mato-grossense, essa urgência se traduz em um chamado à ação.
Mato Grosso do Sul é um caso peculiar nesse novo panorama. Embora o agronegócio seja a imagem mais forte do Estado, os dados do PIB revelam que o verdadeiro motor da economia é o setor de serviços, que responde por 60,09% da produção e emprega quase 70% da força de trabalho.
É nesse ecossistema que a vasta maioria de micro e pequenas empresas (PMEs) e microempreendedores individuais (MEIs) opera. No primeiro quadrimestre deste ano, o Estado formalizou 24.116 novos negócios, dos quais 19.248 eram MEIs. Atualmente, mais de 206 mil MEIs estão registrados em Mato Grosso do Sul.
Segundo Luzemir Barbosa, especialista em Contabilidade e Gestão Tributária da Contili Contabilidade, as mudanças representam uma transformação profunda na forma de calcular, declarar e recolher impostos, com impactos específicos para a economia sul-mato-grossense.
“Não se trata apenas de atualizar alíquotas. É uma reforma estrutural que exigirá revisão de preços, sistemas, contratos e até modelo de negócios. Quem deixar para a última hora pode enfrentar sérias dificuldades”, adverte Barbosa.
A questão não é apenas sobre o fim dos incentivos fiscais para grandes indústrias, mas sobre como a maior parte da economia local, composta por pequenos negócios, vai navegar nessa transição sem os recursos de um grande departamento fiscal. A reforma, para este público, é uma questão de sobrevivência.
A mudança da tributação da origem para o destino, que visa acabar com a “guerra fiscal” entre os estados, representa um desafio para Mato Grosso do Sul, já que a atratividade de um estado passará a depender da força de seu mercado consumidor. No entanto, a resposta de MS tem sido proativa.
O Estado, que tem no agronegócio 76% de suas exportações e no turismo uma de suas principais vocações, sentirá efeitos específicos: na agroindústria, a perda de benefícios fiscais e necessidade de recálculo de preços na cadeia de carne, soja e milho; no turismo, as mudanças na tributação de serviços interestaduais, afetando pacotes para destinos como Bonito e Pantanal; e no comércio fronteiriço, haverá um novo regime tributário para operações com Paraguai e Bolívia, com possível perda de competitividade .
ADAPTAÇÃO
Para auxiliar as empresas nessa transição, Luzemir Barbosa cita cinco ações prioritárias.
“A adaptação à reforma não é uma tarefa exclusiva do setor fiscal. Ela afeta o comercial, o financeiro, a logística e a tecnologia. Para grandes empresas, um comitê interno é a melhor abordagem.
Para as PMEs e os MEIs, a solução é designar um líder interno e buscar o suporte de um parceiro externo especializado, como um profissional de contabilidade. Esse parceiro pode atuar como o ‘comitê’ da empresa, traduzindo as complexidades da reforma em um plano de ação prático e acessível”.
O modelo de imposto “por fora” exigirá uma completa reformulação da forma como os preços são calculados. As empresas precisam simular diferentes cenários para entender o impacto nas margens de lucro e na competitividade.
Isso envolve a revisão de contratos, o ajuste de tabelas de preços e possíveis negociações para redistribuir a carga tributária na cadeia de valor.
“A reforma é, em sua essência, uma reforma digital. O novo sistema de apuração e recolhimento exigirá que os sistemas de gestão estejam plenamente atualizados e compatíveis com as novas regras de emissão de notas fiscais”, cita Barbosa.
A ausência de um sistema adequado resultará em dificuldades operacionais. O investimento em tecnologia não é apenas para garantir a conformidade, mas para ganhar eficiência operacional e mitigar passivos fiscais.
“A teoria da reforma deve ser testada na prática. É fundamental criar um ambiente de testes que replique as condições reais de operação para simular transações e identificar falhas nos sistemas. A revisão e a auditoria do cadastro fiscal atual são essenciais nesse processo”, avalia. Ferramentas de simulação podem ser uma grande aliada para PMEs.
“A reforma é um processo em constante evolução. As leis complementares e regulamentações detalhadas continuarão a ser publicadas e ajustadas. O maior erro é encarar a preparação como um projeto de prazo fixo. As empresas precisam estabelecer um processo de monitoramento contínuo, mantendo um canal de comunicação aberto com consultores especializados”, avalia.
DILEMA
A transição gradual do ICMS para o IBS coloca em pauta a recuperação dos créditos acumulados do antigo imposto. Estima-se que pelo menos R$ 16 milhões anuais devam ser devolvidos às empresas do Estado, e especialistas recomendam a via administrativa para a recuperação desses valores.
Outro ponto crucial é o futuro do Simples Nacional, que é o regime tributário da maioria dos pequenos negócios em MS. Embora o regime tenha sido mantido, a reforma altera a carga tributária de muitos setores, especialmente os de serviços.
A recomendação é para que esses empreendedores, em parceria com um contador de confiança, avaliem se a permanência no Simples continuará sendo a opção mais vantajosa.
Luzemir Barbosa ressalta a vulnerabilidade desse público. Ele já alertou para golpes de “taxas associativas” que fraudam os MEIs, o que reforça a necessidade de um profissional de confiança para guiá-los nesse cenário complexo.
“A reforma tributária não é uma ameaça, mas um chamado à ação e ao planejamento. Para o empreendedor, o profissional de contabilidade é o parceiro estratégico para navegar nesta mudança”, explica.




