A lei 13.756/2018, que autoriza apostas esportivas no Brasil, está em fase de regulamentação no Congresso Nacional. A minuta do decreto esteve liberada para consulta pública até o fim de setembro e recebeu mais de 2.600 contribuições. A expectativa é que o mercado, legalizado, possa movimentar até R$ 4 bilhões no país, segundo relatório da empresa Gambling Compliance.
Enquanto o modelo que norteará as apostas é desenvolvido, entidades ligadas ao esporte, como clubes, ligas e federações, discutem meios de enfrentar um dos desafios desse universo: as tentativas de manipulação de resultados. A Liga Nacional de Basquete (LNB), por exemplo, ampliou a parceria com a Genius Sports, empresa britânica que desenvolverá um sistema para preservação da integridade de apostas ligadas ao Novo Basquete Brasil (NBB). O contrato terá validade de cinco anos.
"Eles trazem a experiência de atuarem em grandes ligas, como a NBA e a Premier League (Campeonato Inglês de futebol). Para nós, será ótimo buscar esse caminho. Dá seriedade e competência para a liga ser reconhecida como idônea no meio esportivo", diz o presidente da LNB, Kouros Monadjemi.
"Vamos proporcionar análises das mais prováveis situações de jogo. Quando há diferenças entre o previsto e o que está acontecendo, nove em dez casos têm explicação. É algum jogador que estava fora, alguém doente, clima... Mas, se há um incidente em potencial que não está previsto, e que parece particularmente questionável, vamos prestar atenção e reportar diretamente à liga", explica o diretor de comunicação da Genius, Chris Doughan.
Futebol na mira
A maior preocupação no mercado brasileiro é o futebol. Uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), aponta que entre 70% e 85% do investido em apostas esportivas é na modalidade.
Um dos casos analisados pela pesquisa é a Operação Game Over, desencadeada em 2016 e que prendeu sete pessoas em quatro estados, acusadas de manipular resultados nas divisões de acesso (A2 e A3) do Campeonato Paulista de futebol e nos torneios estaduais de Rio Grande do Norte, Maranhão e Ceará. A investigação, à ocasião, identificou apostadores asiáticos como líderes da quadrilha.
"Eles não têm nem a necessidade de vir ao Brasil. Acabam enviando emissários que, geralmente, são pessoas com boa circulação no meio esportivo. Ex-atletas, ex-técnicos, amigos de jogadores. São pessoas que darão credibilidade à oferta dos apostadores", detalha Felippe Marchetti, responsável pelo estudo, primeiro do gênero na América do Sul.
Potenciais alvos
Um dos casos mais famosos de manipulação de resultados foi em 2005. No escândalo da Máfia do Apito, 11 jogos da Série A do Campeonato Brasileiro, apitados por Edílson Pereira de Carvalho, acabaram anulados pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e posteriormente remarcados. O árbitro foi acusado de ter influenciado essas partidas para beneficiar apostadores.
Já os exemplos mais recentes envolvem torneios de divisões inferiores, como as Séries A2 e A3 do Campeonato Paulista ou Série B do Carioca. Em comum, clubes de pouca expressão e visibilidade e um calendário restrito a alguns meses — que, segundo a tese da UFRGS, representam 52% dos times. O estudo cita, ainda, levantamento da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), de 2016, indicando que 82,4% dos jogadores profissionais do país recebem até R$ 1 mil por mês.
"A gente identificou, na Game Over, que para um jogo ser manipulado, eles [apostadores] pagavam cerca de US$ 20 mil. São valores muito elevados que, muitas vezes, são a folha salarial de um clube pequeno para uma temporada inteira", destaca Marchetti, que identifica dois tipos de alvos dos apostadores.
"O primeiro grupo é o de atletas experientes. Eles estão mais próximos do fim de carreira, então uma provável punição — como o banimento do esporte — acaba não sendo tão pesada. E há um segundo grupo, que é daqueles com algum tipo de problema com jogo, vício, bebida... Não só jogadores, mas também dirigentes ou árbitros. Esse tipo de pessoa está muito mais vulnerável tanto financeira como psicologicamente", conclui.
Combate ao mercado ilegal
Para Chris Doughan, da Genius, a normatização das apostas no Brasil é parte do combate ao mercado ilegal — que, segundo ele, representa pelo menos 75% da indústria.
"Não há visibilidade sobre quem está apostando, o que acontece no esporte, não há contabilidade... E, importante: não há taxação. O país não ganha nenhum benefício (com apostas ilegais)", analisa.
"Quem é fã de esporte não tem interesse de arranjar resultados. Mas há quem deseje isso, e que movimenta muito dinheiro. É nessas pessoas que temos que prestar atenção, não no cara que vai apostar cinco, dez dólares. A educação é parte disso, então é importante que operadores e reguladores entendam como o sistema funciona", completa.
Marchetti, por sua vez, lembra que jogos do futebol brasileiro, antes mesmo da lei, já eram oferecidos em apostas pelo mundo, e que serviços de monitoramento, a priori, estão focados no mercado legal. Ele, porém, crê que a legalização do mercado por aqui pode ajudar a melhorar a comunicação entre casas de apostas, federações, ligas e polícia.
"Isso ajudaria a criar, justamente, canais que sejam capazes de coibir esse tipo de prática [manipulação de resultados] no Brasil. Ou, se não for possível coibir, ao menos tentar prevenir de forma mais efetiva, finaliza.