Município com nome mais bonito que o seu, em Mato Grosso do Sul, não há, Inocência! É nome-poesia, batizado com a alcunha da protagonista do romance “Inocência”, escrito por Visconde de Taunay e publicado em 1872. Para compor o cenário regionalista do romance, Taunay descreve com lirismo as paisagens que ainda compunham a região sul do Mato Grosso.
Dando um salto no tempo, quero mesmo é falar da sua escolha, Inocência, para receber a instalação da fábrica de celulose da Arauco, o que, penso, nada tem a ver com o romantismo poético de suas paisagens, descritas por Taunay, e muito menos com a “inocência” do capital quanto à escolha do lugar. Sugiro que observe seu entorno e entenderá.
As duas primeiras empresas do setor celulósico a se instalarem no Estado, a Suzano (2009) e a Eldorado Brasil (2012), estão às margens do Rio Paraná. Em Ribas do Rio Pardo, a outra unidade da Suzano – projeto Jubarte, apropriadíssimo, está às margens do Rio Pardo. E a chilena Arauco correu para as margens do Rio Sucuriú com um projeto nada original: Sucuriú. Entendeu? São empresas que gostam de água, mas muita água – bem por isso chamam a região de “vale” da celulose.
E não é apenas a celulose que tem apreço por esse bem comum, repare no eucalipto, esse avança feito um exército em fileiras e, ao contrário do Cerrado, é verde o ano inteiro a despeito das mudanças da estação. São milhares de hectares sequestrando o mesmo fluxo energético de forma contínua, enquanto o resto seca ao seu redor, inclusive, as nascentes.
Na lista de preferências, há outros bens comuns, como terra que se tem em abundância. Para o capital, a terra é ativo econômico, quanto mais concentrada em poucas e privilegiadas mãos, melhor para ativar os ganhos com o rentismo nosso de cada dia. O problema da especulação com o preço da terra ficará para aqueles que não a têm como ativo econômico, que precisam dela para a morada da vida e do trabalho. Esses já são muitos, Inocência, e viverão o estranho fenômeno do progresso sem civilização, a começar pelos sem moradia.
Recentemente, li nos jornais que bastou lançar a pedra inaugural para você, Inocência, “virar terra de homens”. Dizem que o comércio vive uma explosão nas vendas de meias e cuecas. Calcula o futuro, Inocência! Estão falando que no auge da construção da papeleira serão 14 mil operários – isso significa o dobro da população atual. E preciso alertar, Inocência, o abastecimento com meias e cuecas será o menor dos seus problemas, porque outros tantos desejos, não tão inocentes, vão aquecer sua economia.
Mas não se deixe levar pelo discurso fácil de que os migrantes do chão da fábrica são responsáveis pelo caos urbano, esses são como andorinhas, vieram atrás de trabalho. Assim que “levantarem a fábrica e toda a sua estrutura”, com o suor e o sangue, partem e de mãos vazias.
Verá que, estrategicamente, esse setor separa a produção de celulose do plantio de eucalipto, esse último considerado, em MS, desde 2007, uma atividade florestal que dispensa fiscalização. Ou seja, pela lei, ninguém é obrigado a falar do impacto do eucalipto e, dessa forma, são exímios cumpridores da lei. Haverá inúmeras reuniões de diálogo com a sociedade inocentina, todavia, adianto, o balanço da empresa é tão virtuoso que parecerá mesmo um “vale do silício”. Bom mesmo é resistir a esse pensamento fragmentado, pois a lógica dos impactos é a totalidade campo-cidade.
Quando forem visíveis os sinais da violência cotidiana, os defensores da aliança agroexportadora repetirão as conhecidas frases do desenvolvimento natural: as tais “dores do crescimento”. Aliás, as palavras mais ouvidas por você serão “desenvolvimento” e “planejamento”, porque acreditam eles, os que lucram sem fim, no mito de que é possível o progresso econômico sem o progresso social e político, nos termos definidos por José de Souza Martins em “O Poder do Atraso”.
Infelizmente, enquanto formos uma sociedade latifundiária, autoritária, violenta e marcada por profundas carências sociais, refletidas em milhões de famintos, sem teto, sem terra e cativos de condições indignas de trabalho, o desenvolvimento será sempre do capital e dos capitalistas, não da sociedade, do país, muito menos seu, Inocência.
Mas você, que virá depois com a história na mão, quem sabe possa ensinar uma nova lição, menos trágica que o romance que te inspirou. Essa é também a esperança desse bilhete, Inocência.




