Nos tempos de colégio, um inspetor apareceu na classe assumindo o lugar do professor que se ausentara por motivo justificado, deixando os alunos inquietos, pois anteviam desde cedo a saída antecipada nos dois últimos períodos em vez de ficarem sentados em fazer “horas-bunda” (além das horas-aula porque a motivação inexistia). Incomodados, articulando uma sublevação, pois era inaceitável aquela expectativa lograda.
O substituto a convencer a turma sugerira que todos fizessem uma redação, como pesquisa de opinião sobre qualquer tema como, por exemplo, “cinco minutos em uma esquina”, de livre pensamento e interpretação, restrito a uma folha. Os alunos se entreolharam e, num misto de provocação e represália, aceitariam o desafio.
Determinado tempo, logo em uma esquina, tudo ou nada poderia acontecer. Os primeiros minutos passariam devagar, cada um pensando no improvável, mas, de repente, vários ”Estalos de Vieira” se sucederiam quando todos passariam a escrever e descrever tudo aquilo que poderia ocorrer num tempo e num lugar dentro das inúmeras possibilidades físicas.
Uma esquina, confluência de duas vias, característica de cidade antiga, onde estão bem localizados os comércios varejistas de alimentos e bebidas (bares, padarias), ambientes próprios para pontos de encontro, onde muita estória acontece.
O resultado dessa competição literária estaria na leitura dos temas nas aulas seguintes, quando já se previa nova ausência do titular, mas que atiçava a curiosidade de “cada qual com seu igual”.
E assim cada um apresentaria sua imaginação ou uma realidade individual: uma esquina povoada de ambulantes, prostitutas, malandros, corretores zoológicos (bicho), apressados, ponto de encontro, a espera de alguém; no bar, um cafezinho ou a cerveja do dia, aguardando o semáforo, onde o vento faz a curva. Variedade de direção, aglomeração, dois acessos no comércio de esquina, referência na placa de rua, fim da quadra ou simplesmente a “espera de nada”.
Naqueles quatro tempos, sob o comando de um bedel bem articulado, conhecedor das artimanhas disciplinares, exercendo seu controle ao privilegiar a liberdade de pensamento e as formas de expressão, foi de fato um momento importante, mostrando subliminarmente como era possível dissuadir a insatisfação, dividir as forças negativas, arregimentar e congregar os esforços em um objetivo, deixar que as opiniões fluíssem, incentivando a competitividade por meio da curiosidade e privilegiando a essência da personalidade de cada aluno.
O mais interessante e curioso era o texto que falava sobre alguém a “espera do nada”, sem nada para fazer ou pensar, um lunático qualquer, desvairado, simplesmente “matando o tempo”, conversando fiado e, de fato, esperando alguma coisa, alguém, um porvir sem muitas expectativas. Acho que refletia bem a situação cujo tema nada dizia, o tempo vago nada representava, e aquela situação nada acrescentava ao momento.
Hoje eu diria que a “espera do nada” pudesse ser entendida como a peça teatral “Esperando Godot” (S. Beckett), cujo tema central é a conversa entre dois vagabundos à espera de alguém que jamais virá, esse tal de Godot, possivelmente na manutenção da esperança da anunciação ou chegada de uma boa nova ou um evento desejado, ou então a concepção do “ócio criativo” (D. De Masi), ou seja, aquele em que nos sentimos livres para poder pensar e produzir ideias; do “não fazer nada” como uma arte, apenas observando, ouvindo, conversando e refletindo, e criando.
Alguém dirá que essa cena se repete e que está presente no cotidiano da sociedade, esperando mudanças que não chegam, por não aceitar a realidade, ou enfrentar as dificuldades criadas pela falta de “traquejo” dos atuais governantes, como a esperar a economia deslanchar, os juros baixarem, os investidores acreditarem, os empregos aparecerem, as aposentadorias beneficiarem, a educação progredir, um meio ambiente preservado, as leis serem cumpridas, a constituição respeitada, a cidadania entendida e a democracia resguardada.
E assim, o tempo passa, com ameaças, fakes, notícias veladas e dirigidas, conversas estéreis e dissonantes, o ressentimento e a renitência ao amadurecimento, a polarização e a quebra de consensos, e os “supostos” vazamentos resultando nas vicissitudes reprimidas, que afligem e impedem o despertar do tédio, da apatia, da pasmaceira, e das “horas-bunda” a espera do tal Godot.