Artigos e Opinião

ARTIGOS

Por que a confiança na escola está em recessão?

Continue lendo...

Durante muito tempo, tratamos a escola como um castelo cercado por muralhas invisíveis – protegido das tormentas sociais. Mas as muralhas ruíram. E o que antes era visto como bastião da formação e da proteção virou, em muitos casos, o epicentro das crises.

A escola vive uma tempestade reputacional. Não é exagero. É diagnóstico. Casos de violência, bullying, sofrimento emocional ignorado e omissão diante de crises se tornaram rachaduras estruturais que abalam a confiança de famílias, alunos e educadores. E confiança, como sabemos, não se reconstrói com tinta nova na fachada.

Na Bett Brasil 2025, conduzi o painel Crises de reputação: sua escola está preparada?, onde debatemos esse cenário com líderes da educação básica. Os dados falam alto: 47 mortes em ambientes escolares desde 2001, mais de 13 mil episódios de violência registrados apenas em 2023 e bullying em escala epidêmica. Mais assustador que os números é a negação: 40% das escolas nem sequer registram incidentes.

A escola segue ensinando a fórmula de Bhaskara, mas ainda engatinha para reconhecer os sinais de angústia nos corredores. E quando a dor não é ouvida, ela grita – nas redes sociais, nos protestos, nos vazamentos de áudios e prints. A crise chega sem bater. E entra como vendaval.

Vivemos a era da hiperconexão e culpabilidade, em que cada erro viraliza em segundos e a busca por culpados inicia antes mesmo da investigação oficial. Nesse cenário, a reputação virou linha de frente. Um estudo da Oxford Metrica mostra que instituições podem perder até 30% de seu valor de mercado no curto prazo após uma crise mal gerida. No universo escolar, isso se traduz em evasão, desconfiança e instabilidade. É como ver a areia da credibilidade escorrer por entre os dedos – e não ter uma âncora que segure.

E os riscos não estão apenas dentro da escola. Vivemos uma era de crises transfronteiriças: pandemias, ciberataques, mudanças climáticas e conflitos globais também impactam a imagem e a operação educacional, com os agravantes de interdependência e falta de controle. As escolas, outrora ilhas, agora navegam em mares revoltos – e precisam aprender a conduzir o leme.

Apesar disso, persiste o velho mantra: “isso nunca aconteceu aqui”. Até que aconteça. E quando acontece, não há tempo para construir o bote salva-vidas. É preciso já estar nele. Gestão de crise não se improvisa no meio do furacão. A boa notícia é que há bússolas confiáveis. Toda escola pode – e deve – formar um comitê de crises, mapear seus riscos, treinar sua equipe e testar planos de ação.

Educar, hoje, é também proteger. Proteger com firmeza, com presença, com respostas. A reputação de uma escola não está apenas no resultado do Enem ou na campanha publicitária. Está na forma como ela acolhe o sofrimento, reconhece os erros e age com integridade.

A confiança da escola está em recessão. E só há uma saída: tratá-la como um investimento de longo prazo. Porque sem ela, nenhuma lição permanece.

Assine o Correio do Estado

Editorial

Onde está o Procon de Mato Grosso do Sul?

Eis o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos e isso já ocorreu um dia

10/06/2025 07h15

Arquivo

Continue Lendo...

Em tempos recentes, não era incomum ver equipes da Secretaria-Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Procon-MS) atuando nas ruas, acompanhando de perto a oscilação nos preços dos combustíveis e fiscalizando os postos. Era um trabalho visível, ativo e que representava um alento para os consumidores, historicamente vulneráveis diante de reajustes pouco transparentes e, por vezes, abusivos. 

A simples presença dos fiscais representava um freio à esperteza de quem tentava lucrar à custa do desrespeito ao direito do consumidor.

Mas esse tempo, infelizmente, parece ter ficado para trás. O que se observa hoje é a volta de uma rotina mais familiar à máquina pública brasileira: a lentidão, a morosidade e o desinteresse. A ausência do Procon-MS nas ruas é notável, e a sua omissão diante das recentes variações nos preços dos combustíveis levanta dúvidas legítimas sobre a continuidade e o comprometimento de sua atuação. A fiscalização sumiu, 
e com ela parte da confiança do cidadão.

Recentemente, conforme reportado nesta edição, houve duas reduções no preço da gasolina em nível nacional. No entanto, os consumidores sul-mato-grossenses não sentiram nenhum alívio no bolso – a queda não foi repassada às bombas. E o que é pior: tudo indica que o benefício da redução foi embolsado por distribuidoras e proprietários de postos. Trata-se de uma manobra silenciosa, mas escandalosa, que prejudica milhares de motoristas e trabalhadores diariamente.

Nesse cenário, resta ao cidadão a ingrata tarefa de se proteger como pode. Pesquisar preços, buscar o posto mais em conta, tentar fazer valer cada centavo gasto – essa é a única arma à disposição do consumidor comum. Embora importante, essa estratégia individual não substitui a ação do Estado, que tem instrumentos legais e institucionais para coibir abusos de forma estruturada e eficaz.

O que não se entende é por que essas ferramentas não estão sendo utilizadas. O Procon, órgão criado justamente para proteger o consumidor e fiscalizar o cumprimento das normas de defesa do consumidor, permanece inerte diante de uma situação que deveria mobilizá-lo com urgência. A omissão, nesse caso, tem consequências práticas e econômicas diretas na vida da população.

O Estado conta com meios de investigar margens de lucro, verificar notas fiscais, exigir transparência nas planilhas de custos e impor sanções quando necessário. E é esse o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos. Ignorar essa missão é abrir mão de proteger o cidadão em um dos setores mais sensíveis da economia.

Afinal, a pergunta que se impõe é simples e direta: onde está o Procon-MS? Diante de aumentos injustificados e reduções não repassadas, o silêncio do órgão não pode mais ser tolerado. A população merece respostas – e mais que isso, merece ação.

Assine o Correio do Estado

ARTIGOS

Violência policial: a necessidade de desmilitarizar o discurso, e não a farda

06/06/2025 07h45

Arquivo

Continue Lendo...

Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da segurança pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas – e por isso mesmo mais relevantes – para se compreender o fenômeno.

A violência institucional, infelizmente, não é um monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não militarizadas – como o Los Angeles Police Department (LAPD) –, evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em LA, é ilustração contundente dessa constatação.

A meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode sim contribuir para a reprodução interna de abusos, mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis nos quais, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.

Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Polícia Civil à Militar, da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada prioritariamente ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.

Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos e modernizar os currículos com foco em direitos humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da sociedade, levando em consideração – de modo preponderante – o ser humano policial, podem ser algumas delas.

Ampliar o uso de tecnologias de controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.

O debate sério sobre segurança pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Dessa forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é o momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.

Assine o Correio do Estado

NEWSLETTER

Fique sempre bem informado com as notícias mais importantes do MS, do Brasil e do mundo.

Fique Ligado

Para evitar que a nossa resposta seja recebida como SPAM, adicione endereço de

e-mail [email protected] na lista de remetentes confiáveis do seu e-mail (whitelist).