A meta do governo de Mato Grosso do Sul para os próximos anos é dar um salto em transparência e eficiência da administração pública, temas que estiveram entre as principais bandeiras do governador Eduardo Riedel (PSDB) durante a campanha eleitoral, no ano passado.
Para levar todas as metas adiante, Riedel manteve o auditor Carlos Eduardo Girão de Arruda como controlador-geral do Estado.
À frente da Controladoria-Geral do Estado (CGE), Girão pretende avançar nos programas de compliance (padronização de procedimentos internos e condutas éticas das organizações) na administração pública, ampliar o alcance do portal da Transparência, que está entre os mais bem-conceituados do Brasil, e implantar um sistema que otimiza o monitoramento dos processos em toda a administração, além de avançar em um modelo de auditoria que deve ser um pré-requisito de acreditação para o Banco Mundial.
Para implantar tudo isso, o principal esforço será mudar a cultura do serviço público.
“Para implementar programas que mexem na cultura do serviço público, tem de ter o apoio da direção máxima, e isso nós temos”, afirma Girão.
A transparência, segundo ele, também continuará sendo um princípio norteador desta gestão.
“A transparência é essencial na administração pública. A gente também precisa de uma imprensa livre e atuante e de cidadãos mais imbuídos do dever de cidadania. É um conjunto de coisas, mas a transparência é a base disso. Não adianta ter o resto, se não tiver transparência”. Confira a entrevista.
Quais são as metas para a Controladoria-Geral do Estado (CGE) na atual gestão e qual o plano de atuação?
A gente tem um planejamento estratégico aprovado no ano passado. Ele é para quatro anos, terá vigência até 2026, e tem muitos pontos convergentes e sobrepostos com as propostas do [governador] Eduardo Riedel para este mandato.
Eu elencaria entre as grandes metas a implantação do que Riedel vinha falando: um sistema de compliance dentro do serviço público.
A gente já começou com o Reinaldo, com o Programa de Integridade. Este programa já integra o projeto de compliance.
A partir de agora, estamos em um desenho de um programa de identificação de riscos, para fazer uma gestão dos riscos em todas as secretarias para, aí sim, podermos ir para fora da secretaria, com grandes fornecedores. Para isso, será encaminhado um projeto de lei para a Assembleia Legislativa.
Nossa outra meta é a manutenção da nossa transparência entre as melhores do Brasil. A gente foi coroado no ano passado com o Selo Diamente da Atecom, que é a Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil.
Todos os integrantes dos tribunais de contas – dos estados, dos municípios e da União – avaliaram todos os Poderes, todas as esferas, e nós e o Paraná fomos os únicos a receber o Selo Diamante em todo o País.
Nós já estamos com um projeto de um novo portal da Transparência. Esse portal já tem todas as informações legais, mas ele pode exigir algum conhecimento para manuseá-lo bem.
A nossa ideia é que a gente possa construir um portal com uma linguagem mais cidadã, que seja mais fácil para a sociedade civil, organizada ou não, conseguir tirar suas dúvidas. Já está contratado e em desenvolvimento.
A meta é que até o primeiro semestre do ano que vem esteja, enfim, em funcionamento. É um contrato de 18 meses de produção. Se a empresa conseguir entregar antes do prazo, a gente entrega antes, mas tem de ser validado por nossa equipe de transparência, entre outros aspectos, antes de entrar no ar.
Um outro projeto é o IACM. O que seria?
É uma sigla em inglês, Internal Audit Capability Model [Modelo de Capacidade das Auditorias Internas], que hoje tornou-se referência no mundo. Hoje ele é composto por uma série de indicadores estratégicos de atingimento, que são chamados de KTAs – algo que é bem técnico.
A ideia é demonstrar o nível de maturidade de uma auditoria interna. O IACM vai do nível 1 a 5, e, hoje, no Brasil, temos apenas três unidades da Federação no nível 2, todo o restante é nível 1, nós inclusive. As três que são nível 2 são Goiás, Minas Gerais e a Controladoria-Geral da União.
E todos conseguiram o nível 2 no último trimestre do ano passado. Isso é algo muito recente, mas é fomentado pelo Banco Mundial.
Por isso, acreditamos que muito em breve o Banco Mundial exigirá como requisito para empréstimos, porque ele avalia o nível de maturidade, se o ente público tem uma auditoria que vai garantir a efetividade dos empréstimos que está fornecendo.
A nossa meta é até o fim do governo Eduardo Riedel estarmos no nível 3. Para passar do nível 1 para o nível 2, a gente planeja conseguir entregar até 2024. O IACM demanda uma mudança cultural, e todo o processo de mudança cultural é mais demorado.
E isso envolve toda a administração pública?
Não necessariamente. Envolve, aqui, todo o nosso sistema de controle interno, que tem uma unidade em cada secretaria e as unidades setoriais.
E existe mais algum novo projeto?
E, por último, um projeto que também seria relevante, que é na parte da Corregedoria. Somos piloto de um projeto da União que gerencia e consolida informações de procedimentos administrativos na área de Corregedoria.
Procedimentos disciplinares e de punições de empresas que são instaurados no Estado passarão a ser lançados no Estado.
Esse sistema lançará peças processuais e muito mais que isso: quantos processos têm abertos?
Quantos processos determinadas secretarias abrem e fecham? Quais são as conclusões? Quanto tempo demora? Quais são as punições? É importante para que nós, Corregedoria, possamos agir e levar capacitação. Chegar e falar: "Olha, vocês estão tendo um problema de começar e não terminar, e demorar para terminar. O que precisa?”.
O próprio governador terá essas informações na tela dele, de quantos processos têm, quantas demissões têm. Se hoje você me perguntar isso, a gente vai ter de diligenciar todas as secretarias, para que eles corram atrás e nos informem. Isso é mais gerencial.
E sobre o termo compliance, que foi bastante explorado na campanha eleitoral. Gostaria que explicasse melhor a questão da integridade. Começará com grandes fornecedores? Como fica o compliance dentro da administração? Vai atingir todos os setores?
Sim, isso tudo é um processo, e, como todo o processo, a gente começa com um trabalho interno. Nesse nosso dever de casa, já foram identificados os riscos de integridade, por meio do Programa de Integridade de Mato Grosso do Sul.
E em cima desses primeiros riscos identificados, agora estamos trabalhando com um plano de ação em cada uma dessas entidades.
Agora, estamos expandindo a atuação, identificando os riscos das demais instituições, implantando esse programa de gestão de riscos e trabalhando com os servidores das próprias instituições. O que é importante dentro desse conceito, porque levamos a eles o que já foi feito no compliance para os servidores, mas que ainda não chegou a todos eles.
Também temos, e essa é uma outra etapa, uma alteração legislativa, inspirada na nova Lei de Licitações, em que grandes fornecedores do Estado terão de ter um programa de integridade efetivo e serão auditados e identificados pela Controladoria-Geral do Estado depois de seis meses da contratação.
Também teremos os municípios que são parceiros na execução de despesas com o Estado, por meio de transferências. O ideal é que tenham um programa desse tipo.
A gente já fez no ano passado uma primeira etapa de conscientização e uma consultoria assistida a 27 municípios que participaram do PIM, que é o Programa de Integridade Municipal, lançado pela Controladoria-Geral do Estado.
Agora esse programa vai para um próximo nível, que é mais detalhado e que ocorrerá com as seis maiores prefeituras de Mato Grosso do Sul.
Também tem uma outra etapa, que será com as empresas que participam de PPPs [Parcerias Público-Privadas] e as OSs [Organizações Sociais] que recebem recursos do Estado. Tudo vai para uma etapa final, quando fecharmos o compliance no ambiente dos gastos públicos.
E quanto ao novo portal da Transparência? Ele está vindo mais simplificado, vai ter mais informações ainda?
O que a gente quer é uma navegabilidade melhor e uma informação mais simplificada para o cidadão que precisa utilizar determinado serviço. A ideia – e isso a gente vem discutindo e depende das bases de dados que a gente tem – é que a gente saiba, por exemplo, de forma georreferenciada, os aparelhos do Estado.
Por exemplo, no caso da educação: quantas escolas têm? Quantos alunos e professores têm? Qual o orçamento da escola? São informações para o servidor, o cidadão e o jornalista.
A gente quer trazer facilidade no acesso, para que as informações sejam mais palatáveis.
O georreferenciamento ainda é interessante em pesquisas, e aí eu cito mais um exemplo: se a gente está construindo 30 pontes, onde [elas estão]?
Então tem lá marcado o estágio da obra e tudo mais. E aí é uma ideia nossa colocar a obra, a rodovia, quanto falta para terminar, etc.
São informações que vão tornar o portal mais agradável, aumentar a visualização e mostrar que a gente está no caminho certo.
E quando se fala em modelos como o IACM, compliance, transparência? A gente vem de um histórico de serviço público que tinha uma coisa totalmente oposta a essa cultura que está se tentando criar. Ainda existe resistência? É preciso ser administrativamente mais implacável nos processos ou ser mais didático?
Acredito que é preciso ter equilíbrio entre ser didático e ser pedagógico, no sentido de punição. E, aqui, a gente tem todas as áreas. A gente presta consultoria e faz palestras, assim como a gente tem a Corregedoria, que aplica penalidades, demissões e multas para empresas e verifica a idoneidade das empresas.
A implementação de programas que afetam a cultura do serviço público e implementam o compliance é um deles, e o IACM, idem: tem de ter o apoio da direção máxima.
Por isso, a partir do momento que você tem um governador como o Eduardo Riedel, que é uma pessoa que gosta dessa área e entende disso, já nos facilita muito.
A gente tem de ter o comprometimento da alta direção, assim como sempre tivemos do Reinaldo Azambuja, porque isso contribui para se mudar a cultura.
Quanto às resistências, elas são normais. Eu diria até [que são] da cultura de trabalho. Se a pessoa faz há 10 anos ou 20 anos de um jeito, é difícil mudar. Por exemplo, uma pessoa que pede uma resma de papel, quem aprova é ela mesma e não tem uma segregação de funções.
Se eu sou um cara correto, ok. Mas um comportamento desse não é algo inteligente para se ter em um processo, porque fragiliza, mas é um procedimento prático. Mas é claro, quando mudamos procedimentos, enfrentamos resistências.
Mas o que eu vejo também é que as resistências também vêm de desconhecimento, de burocracia, de receio.
Como você vê a transparência na administração pública? Existe outro caminho para o cidadão participar de uma forma mais democrática?
A transparência é essencial. Mas o cidadão tem muitos outros desafios. Infelizmente, a participação dos cidadãos eu desconheço, porque ela ainda é muito burocrática. Não é direta. Quando estava na CGU, em Naviraí, vi, no conselho de saúde, uma população extremamente participativa: pediam fiscalização, participavam e se envolviam.
Mas aquilo é uma exceção. A participação tem de ser mais regra que exceção. Isso é um processo de educação cívica, de direitos e deveres, para os cidadãos entenderem.
A gente já tem um projeto em conjunto com a Secretaria de Estado de Educação (SED), o Estudantes no Controle, em que a gente busca isso: fazer atividades lúdicas no Ensino Médio para eles terem uma sensação de pertencimento, de que a escola é deles. É um processo.
Mas, é claro, a transparência é essencial. Sem transparência, com opacidade você não vai ver nada. A gente também precisa de uma imprensa livre e atuante e de cidadãos mais imbuídos do dever de cidadania. É um conjunto de coisas, mas a transparência é a base disso. Não adianta ter o resto, se não tiver transparência.
Perfil: Carlos Eduardo Girão de Arruda - É o controlador-geral do estado de Mato Grosso do Sul. Tem graduações em Ciências Econômicas, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1995), e em Direito, pela Universidade Católica Dom Bosco (2001), e é mestre em Administração Pública e Governo, pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo.




