Resultado de inquérito civil para apurar a modalidade e necessidade de contratação da empresa Engeluga para serviços de engenharia e demais funções, o Ministério Público de Mato Grosso do Sul recomendou ao município de Glória de Dourados a imediata rescisão do contrato, entre outras ações para evitar laços futuros.
É importante explicar que as chamadas "recomendações" servem de instrumento para apontar "razões fáticas e jurídicas" para melhoria dos serviços públicos, portanto não possuem caráter decisório.
Nesse caso, longe aproximadamente 260 quilômetros da Capital do Mato Grosso do Sul, a Engeluga foi contratada por R$840 mil pelo Executivo de Glória de Dourados com dispensa de licitação.
Conforme apontado pelo Ministério Público, a empresa criada em 12 de março de 2015 em Campo Grande, teria sido contratada para realizar os mesmos serviços dos engenheiros que compõem o quadro de servidores municipais.
Ou seja, entre os serviços da contratada cabiam: elaboração de projetos executivos de infraestrutura urbana; de construção civil; supervisão de obras para atender, etc.
Portanto, segundo o MPMS, não haveria uma "natureza singular" no serviço prestado a ponto de justificar a contratação, já que Glória de Dourados teria dois engenheiros servidores municipais que juntos são remunerados com quase R$ 10 mil ao mês.
Além disso, o documento assinado pelo Promotor de Justiça Gilberto Carlos Altheman Júnior, faz um comparativo de licitações entre a inexigibilidade para contratação da Engeluga neste ano e a carta convite assinada com a HDO Engenharia e Consultoria em 2022.
Sendo que ambas, enquanto especializadas de assessoria e consultoria de engenharia, apresentam praticamente o mesmo objeto, o MPMS ressalta a diferença nos valores de contratos que chega a passar de meio milhão.
Comparados, os contratos apresentam uma diferença de R$533.118,00 entre o acordo firmado em 2022 para o de 2025, um montante 173,72% maior que o anotado há três anos.
Diante de tudo, para assegurar a defesa do interesse público e a preservação do patrimônio público, o Ministério Público Estadual recomendou que o prefeito de Glória de Dourados, Júlio Buguelo (PSD), assine imediatamente a rescisão do contrato com a Engeluga.
Para além disso, fica sugerido na recomendação que o município impeça novas contratações de empresas para "serviços de caráter genérico ou cotidiano" que os engenheiros civis locais poderiam estar encarregados.
Também é recomendada abstenção quanto à possíveis renovações desses contratos específicos da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Água (Seinfra), bem como é pedido que se evitem as chamadas dispensas de licitação para contratações emergenciais quando não justificadas.
Figurinha carimbada
Criada em 12 de março de 2015 na Capital, desde 2016 a Engeluga aparece por diários oficiais vencendo licitações. Com capital social de R$200 mil (que atualmente já está em R$1,5 milhão) a empresa passou a levantar suspeitas de que estava sendo favorecida em licitações.
Consultas mostram que a Engeluga ainda em 2016 venceu uma licitação da então Fundação de Apoio à Pesquisa, ao Ensino e à Cultura de Mato Grosso do Sul (Fapems), com valor global de R$16.050,00.
Entre seus vínculos iniciais com municípios interioranos, um deles foi a prefeitura de Eldorado–MS, com a empresa contratada em 06 de abril de 2017, por R$149.400,00 para serviço de Assessoria/Consultoria para fiscalização, execução e elaboração de projeto civil e infraestrutura local.
Esse contrato teve cinco termos aditivos totais, com a empresa voltando a pactuar serviços em 22 de junho de 2022. Além de Eldorado, a Engeluga firmou contratos com:
- Nova Alvorada do Sul
- Água Clara
- Itaporã
- Sidrolândia
- Porto Murtinho
- Ivinhema, entre outros
Vale lembrar que, essa não é a primeira vez que o MPMS recomenda que executivos municipais coloquem um fim aos seus contratos com a Engeluga,
Foi o caso do contrato firmado em 12 de março deste ano entre a empresa campo-grandense e a prefeitura de Ladário, que fica a cerca de 426 quilômetros da Capital, seguindo os mesmos padrões de valores "embolsados" sem a devida licitação.
Além disso, a Engeluga Engenharia apareceu como "pivô" no centro de um suposto esquema criminoso, em 08 de fevereiro de 2024, que levantou desconfianças de práticas de peculato, contratação e lavagem de dinheiro.
Justamente a "inexigibilidade de contrato" de R$930 mil entre a Engeluga e o município de Selvíria levantaram suspeitas do MPMS e do Departamento de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco), que nessa ocasião em fevereiro de 2024 colocou os agentes na rua para cumprimento de nove mandados de busca e apreensão.
Além desses 930 mil reais em contrato com Selvíria, o Dracco detalhou que os contratos administrativos com municípios sul-mato-grossenses já somavam pelo menos R$ 11.804.947,05, sendo que a Engeluga chegou até mesmo a assumir a reforma e ampliação da sede da Câmara Municipal de Dourados, que também entrou na mira devido aos custos elevados e suspeitas de sobrepreço e superfaturamento na execução do projeto.
Escândalos e o que diz a empresa
Ao Correio do Estado, sobre o caso de Ladário, por exemplo, a Engeluga afirma que foi procurada pelo próprio município, que por sua vez teria solicitado orçamento referente aos serviços de assessoria em engenharia.
Para eles, a contratação está amparada, também, pela jurisprudência consolidada do Tribunal de Contas de MS, que reconheceria a possibilidade de contratação direta em hipóteses de inviabilidade de competição, quando presentes a singularidade do objeto e a notória especialização do prestador.
Em balanço sobre 2024, a Engeluga aponta ser responsável pela elaboração de mais de 400 projetos em Mato Grosso do Sul, totalizando R$695 milhões em investimentos viabilizados.
Neste ano, até o momento, foram entregues 235 projetos em obras para diferentes municípios, que somam R$318 milhões, com uma atuação simultânea em 12 cidades sul-mato-grossenses atualmente.
Com um capital social que saltou de R$200 mil para atuais R$1,5 milhão, a empresa passou a levantar suspeitas de que estava sendo favorecida em licitações, mas dizem que a "tradição e confiança" que marcam a história da empresa é que explicam a razão pela qual os gestores municipais acabam recorrendo aos serviços.
"Em um cenário de crescente responsabilização pessoal, o prefeito, enquanto ordenador de despesas, busca segurança jurídica e técnica ao contratar, ciente de que seu próprio CPF se encontra no centro das análises de órgãos de controle", afirmam em nota.
Essa mesma resposta discorre que a contratação da empresa acontece estritamente dentro da legalidade (conforme artigo 74 da Lei nº 14.133/2021), que trata das inexigibilidades de licitações para serviços técnicos especializados de natureza singular, prestados por profissionais ou empresas de notória especialização
"É justamente esse o caso: não se trata de favorecimento ou de qualquer forma de facilitação, mas do cumprimento rigoroso do que prevê a legislação", completa.
A Engeluga Engenharia diz que nunca foi acusada ou condenada por superfaturamento, afirmando que seus projetos seguem referenciais oficiais de preços utilizados por órgãos estaduais e federais, o que assegura transparência, legalidade e economicidade
Para eles, essa uma década consolida a empresa como referência em assessoria de engenharia em Mato Grosso do Sul, citando ainda alguns diferenciais que colaboram para a escolha da Engeluga por parte dos municípios.
"A legislação atual de obras públicas passou a exigir a elaboração de projetos em metodologia BIM (Building Information Modeling), que demanda profissionais especializados, softwares licenciados e equipamentos de alto valor agregado. Nesse contexto, a Engeluga oferece suporte técnico qualificado, garantindo que os municípios consigam atender às exigências legais e avançar em seus projetos com segurança e eficiência".
Além desses 930 mil reais em contrato com Selvíria, o Dracco detalhou que os contratos administrativos com municípios sul-mato-grossenses já somavam pelo menos R$ 11.804.947,05, sendo que a Engeluga chegou até mesmo a assumir a reforma e ampliação da sede da Câmara Municipal de Dourados, que também entrou na mira devido aos custos elevados e suspeitas de sobrepreço e superfaturamento na execução do projeto.
"Permanecemos à inteira disposição dos órgãos de controle para prestar todos os esclarecimentos necessários, confiantes não apenas na legalidade da contratação, mas também no respaldo jurisprudencial e na solidez de nossa atuação, que asseguram ao gestor municipal tranquilidade quanto às suas escolhas e à população de Ladário a efetividade das obras e projetos que lhe são destinados", concluiu na ocasião.




Segundo o documento, há R$ 6,5 milhões de tributos em atraso - Foto: Gerson Oliveira


