Superintendente da PRF em MS, João Paulo Pinheiro Bueno conversou com o Correio do Estado sobre as mudanças nas atribuições da corporação e o planejamento de segurança fronteiriça
Na linha de frente do combate ao crime organizado de tráfico de drogas em Mato Grosso do Sul, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deverá passar por novos desafios nos próximos anos.
Um desses desafios pode estar atrelado a mudanças na corporação, que podem acontecer caso o Congresso Nacional aprove a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública. Se a PEC receber parecer favorável, o órgão de fiscalização federal deverá se tornar oficialmente uma polícia ostensiva, assumindo novas atribuições.
O superintendente da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso do Sul, João Paulo Pinheiro Bueno, falou sobre a questão em entrevista ao Correio do Estado.
Bueno explicou também como a PRF deverá se adaptar à Rota Bioceânica, prevista para entrar em funcionamento em 2026. As atenções estarão voltadas à ação da criminalidade, já que o acesso ampliado à fronteira do Estado poderá ser utilizado para o transporte de drogas e armas.
Nos últimos anos, houve um salto no número de apreensões de cocaína em MS. A que isso se deve? Seria uma entrada massiva do produto?
O tráfico de cocaína anteriormente era mais tímido aqui no estado de Mato Grosso do Sul, em comparação com Mato Grosso, por exemplo. A gente ficava mais no combate à maconha, por conta da extensão da fronteira com o Paraguai, que é maior do que a Bolívia, e essa droga não vinha muito para cá.
Mas o que a gente observou nos últimos anos é que isso realmente aconteceu [aumento de apreensões] a partir de 2021, 2022, a quantidade de cocaína apreendida pela PRF aumentou bastante mesmo. A gente saiu do patamar de 2 toneladas que a gente apreendia por ano para 13 toneladas no ano passado e 15 toneladas em 2023.
Este ano a gente caminha para mais um patamar que talvez bata o recorde ou mantenha pelo menos no mesmo nível a quantidade de apreensões, que continua grande. A gente sabe que, hoje, as organizações criminosas entenderam Mato Grosso do Sul como uma nova rota, principalmente para o tráfico de cocaína, e que estão utilizando o nosso estado para isso.
A cocaína, diferentemente da maconha, é trazida em pouca quantidade e tem um alto valor agregado. Antigamente, ela vinha em compartimentos secretos nos veículos, com 50 kg, 30 kg ou 10 kg, às vezes era pasta base. Hoje em dia, a cocaína está vindo em grandes quantidades.
Entre as apreensões que a gente teve agora, principalmente este ano, já houve apreensões de até 500 kg de cocaína no meio de cargas lícitas, no caso.
Mas, em questão de quantidade, a maconha vem em toneladas que enchem até a tampa de caminhonetes, ficando vazio praticamente só o espaço para o motorista, então, é 1 tonelada, 2 toneladas, às vezes 20 toneladas, 30 toneladas. Vem nessas quantidades por ser uma droga que tem menos valor que a
cocaína.
Com essa entrada maior, qual o nível de preocupação da PRF em relação à Rota Bioceânica? Além do reforço em Porto Murtinho, o que mais pode ser feito para conter a entrada de drogas por essa rota?
É uma rota, eu costumo falar, de desenvolvimento, mas é uma nova rota também para a criminalidade. Então, o que está acontecendo hoje na direção-geral são várias trocas de informações com os países que vão fazer parte da Rota Bioceânica, como Paraguai, Argentina e Chile, que são parte da nossa rota, e a Colômbia e o Uruguai, que também estão envolvidos.
A gente está tentando cada vez mais fazer uma troca de dados que seja a mais rápida possível entre esses países envolvidos, já que a gente sabe que a criminalidade pode explorar outros caminhos, então, essa comunicação da segurança pública do Brasil com esses outros países é importante que seja uma linha rápida e eficiente.
Além disso, a gente está fazendo trocas também de experiências. Estão vindo policiais desses outros países para o Brasil para fazer o nosso treinamento, nossos policiais estão indo para os outros países também, para compartilhar nosso conhecimento e adquirir o conhecimento deles.
Sabemos que vai ter um desenvolvimento na região e estamos nos antecipando com relação a isso.
Vamos ter a nossa unidade operacional lá em Porto Murtinho. Na última conversa que eu tive com o Dnit, foi dito que começaram as obras do centro alfandegário [aduaneiro] que terá dentro do complexo Receita Federal e da Polícia Federal, e a gente também está incluído, com a nova unidade operacional, para a gente exatamente poder cuidar de todo esse novo fato, essa nova realidade do estado de Mato Grosso do Sul.
Além das drogas, que outros produtos ilegais são frequentemente flagrados pela PRF nas rodovias de MS?
A parte de narcotráfico fica basicamente nesse tipo de droga mesmo, cocaína e pasta base e maconha e haxixe, que são variações da mesma droga.
O que a gente tem mais também, já que acontece muito aqui em Mato Grosso do Sul, é contrabando e descaminho. Então, o contrabando seria de cigarro, que tem muito ainda, e de agrotóxico, tem bastante também. Esses dois são os principais tipos de contrabando que a gente combate.
Descaminho são equipamentos eletrônicos, celulares, que chegam muitos, e as nossas equipes também atuam muito nessa parte. Mas a nossa preocupação maior é basicamente nessa parte relacionada ao crime, com cigarro e agrotóxicos.
Esses agrotóxicos que são fabricados nos países vizinhos têm alguns princípios ativos que são proibidos aqui no nosso país, que contaminam o nosso lençol freático. A gente faz esse combate exatamente com essa preocupação.
Sobre o contrabando de cigarros, principalmente agora, com os cigarros eletrônicos, houve aumento ou queda de entrada dessa carga?
O contrabando de cigarro, antigamente, no estado de Mato Grosso do Sul, era muito maior. Ele vinha em bitrens carregados. Eu já participei de algumas ocorrências em que pegamos cinco carretas com cigarros – e provavelmente teria mais.
Eles [contrabandistas] são muito organizados, é um crime que eu trabalhei contra muito na fronteira, lá em Jardim. Eles sabiam totalmente o funcionamento, a hora que a gente chegava, a hora que a gente saía, a hora que a gente almoçava.
O que a gente entende hoje é que esse contrabando dos cigarros não parou, e agora os cigarros eletrônicos começaram a vir em maior quantidade, mas talvez não seja isso que tenha diminuído o número de apreensões.
Sobre a PEC da Segurança Pública, qual a sua opinião sobre as mudanças na PRF, que poderá se tornar uma polícia ostensiva?
O que eu observo aqui, por parte da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso do Sul, é um interesse do governo federal em realmente ampliar a nossa atuação, sair somente do modal rodoviário e começar a atuar em outros modais, em outras situações, mas, é claro, nunca concorrendo com outra força, já que cada força de segurança tem o seu papel.
O nosso papel é realmente de uma polícia ostensiva, nós somos a polícia ostensiva da União, porque não tem outra polícia que faça esse papel no âmbito federal, somos a polícia que está ali de maneira preventiva, repressiva, no combate ao crime, na parte de trânsito. Então, eu acredito que a PEC vem para realmente resguardar as nossas ações, para a gente começar a poder atuar com mais tranquilidade com o que a gente já faz.
Há muitos anos a gente já saiu somente da rodovia, a gente atua de maneira muito mais ampla hoje em dia.
Com essa mudança sendo aprovada, teria de haver uma mudança na quantidade de efetivo e novos concursos para a PRF?
Sim, a gente espera isso. Hoje a gente tem um efetivo de pouco mais de 600 policiais sendo treinados na academia. De lá vão vir alguns, eu espero que venham para Mato Grosso do Sul, acredito que a direção-geral já tenha um planejamento para cá.
A gente realmente precisa de efetivo, mas não só Mato Grosso do Sul, todos os outros estados também carecem de efetivo, principalmente a Região Norte do nosso país, que está meio defasada com relação a isso. Talvez vai ser prioridade da direção lotar esses policiais lá.
E a gente entende que, com essa nova PEC, deve ter um aumento de efetivo, até para que a gente possa conseguir cumprir com a missão que vai ser dada a nós, que vai ser desempenhada pela PRF.
Hoje o efetivo da PRF é de 13 mil policiais, aqui no Estado são 620, então, a gente vai precisar de mais policiais, concursos, treinamento e equipamentos.
Quais tipos de tecnologias a PRF tem usado para mapear as rodovias e como essas ferramentas ajudam nas fiscalizações?
Nós temos várias ferramentas tecnológicas para combate ao crime organizado. Nesta parte de monitoramento das rodovias, a gente usava muito o rádio, hoje em dia, a PRF já está partindo para um novo tipo de comunicação, que é a internet via satélite. Hoje, as nossas viaturas e quase todas as delegacias têm acesso à internet em tempo real o tempo todo.
A gente sabe que, aqui, em Mato Grosso do Sul, por ser um estado grande, extenso, não são todos os locais que têm internet, e hoje o nosso trabalho é praticamente todo voltado a isso. O policial não consegue trabalhar se ele não tiver a internet conectada para comunicação, até mesmo para a parte de fiscalização de trânsito.
Além dessas ferramentas, da internet satélite e do sistema de monitoramento, nós temos o nosso grupo de operações com cães, que são cinco cães farejadores aqui no Estado. Eles facilitam a abordagem, ao encontrar os compartimentos secretos que o ser humano não encontra.
A gente tem também o scanner, que é uma ferramenta muito útil e faz toda a leitura dos veículos. A gente consegue ver, por meio do scanner, se tem alguma coisa diferente, fora comum, e fazer essa identificação.
Perfil
João Paulo Pinheiro Bueno
Superintendente da Polícia Rodoviária Federal em Mato Grosso do Sul, é sul-mato-grossense, nascido em Campo Grande. Tem graduação em Engenharia Civil (2003) e pós-graduação em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Ingressou na PRF em 2012, iniciando suas atividades na Delegacia de Jardim. Atuou no Grupo de Patrulhamento Tático por sete anos.
Em 2020, tornou-se chefe do Núcleo de Policiamento e Fiscalização da Delegacia de Campo Grande e, em 2021, chefe da mesma delegacia. Em dezembro de 2021, foi nomeado chefe do Serviço de Operações do Estado, função que desempenhou até assumir o cargo de superintendente, em 2023.
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