O embaixador do Japão no Brasil, Teiji Hayashi, disse ao Correio do Estado que o acordo firmado na década de 1960, no estado de Mato Grosso do Sul, sintetiza o espírito de que a reaproximação entre o Estado e a província japonesa de Okinawa está sendo retomada. A ilha ao sul do arquipélago japonês é a que mais influenciou a formação da comunidade nipo-brasileira sul-mato-grossense.
Mas o fortalecimento dessa relação vai além dos laços culturais. Hayashi vê em Mato Grosso do Sul um parceiro estratégico para projetos de desenvolvimento sustentável, como o Corredor Bioceânico, que ligará o Atlântico ao Pacífico, passando por Campo Grande. Segundo o embaixador, o Japão tem vasta experiência na criação de corredores de integração regional e pode contribuir com tecnologia, financiamento e gestão.
Outro ponto de cooperação em andamento é o projeto da Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica) para recuperação de pastagens degradadas, com potencial de investimento de até US$ 1 bilhão, voltado ao Cerrado e à pecuária sustentável. Essa iniciativa, que utiliza dados de satélite e inteligência artificial, deve ajudar o Estado a equilibrar sua vocação agropecuária com práticas ambientalmente responsáveis.
Como é a demanda no serviço consular e de embaixada para a comunidade nipônica em Mato Grosso do Sul?
A comunidade nipo-brasileira aqui é muito importante, temos aproximadamente 70 mil descendentes em Mato Grosso do Sul. E temos uma ligação cultural muito forte com a cidade de Campo Grande. Aqui, temos o sobá, iguaria japonesa que é muito conhecida e reconhecida como patrimônio da cidade.
O senhor mencionou que o sobá é um patrimônio campo-grandense. Há alguma particularidade no sobá de Campo Grande em relação ao sobá japonês?
Sim, o sobá de Campo Grande é muito parecido com o sobá de Okinawa. No Japão, temos vários tipos de sobá e o de Okinawa é um deles. Aqui, quando provei o sobá de Campo Grande, percebi que é realmente o sobá de Okinawa.
Sobre Okinawa, existe alguma iniciativa para estreitar os laços com a região japonesa?
A maioria dos descendentes japoneses aqui em Campo Grande é de Okinawa, cerca de 70% a 80%. Okinawa é a ilha mais ao sul do Japão, o que lhe confere uma cultura mais quente e com mais intercâmbio. Mas falando em Okinawa, nas vezes que estive com o governador Eduardo Riedel e com a prefeita daqui [Adriane Lopes], encontrei muito potencial de estreitar os laços com Mato Grosso do Sul.
Há um acordo de irmandade entre Mato Grosso do Sul e Okinawa, que foi assinado na década de 1960. Ele andava meio esquecido, mas nós estamos retomando.
Qual é a importância do Corredor Bioceânico para o Japão e como o governo japonês pode contribuir?
O Corredor Bioceânico tem um grande potencial. Como diplomata de carreira, já falava sobre esses corredores há quase 20 anos, quando trabalhei na embaixada do Japão em Buenos Aires. O governo do Mato Grosso do Sul me pediu para falar sobre o potencial do Corredor Bioceânico passando por Campo Grande. O Ministério dos Negócios e o Ministério da Infraestrutura, em Brasília, querem trabalhar conosco, pois o Japão tem várias experiências no desenvolvimento de corredores regionais em outros países, como na Ásia [Corredor do Rio Mekong, no Vietnã, no Camboja e no Laos] e na África.
Como funciona a cooperação do Japão no desenvolvimento de corredores internacionais?
A coordenação e cooperação entre os países envolvidos são muito importantes. Não depende somente de rodovias ou ferrovias, mas, sim, do desenvolvimento de uma faixa regional, incluindo indústrias e economias da região.
Às vezes, construímos pontes e rodovias com financiamento e cooperação técnica do governo japonês. As empresas japonesas têm preferência, mas também explicamos o potencial da região para que outras empresas se interessem em construir ou aproveitar a rota, colocando fábricas, por exemplo.
Quais são os desafios para a implementação de projetos de longo prazo, como o Corredor Bioceânico, na América do Sul?
O mais difícil é o compromisso de médio ou longo prazo. Quando há troca de governadores ou presidentes, é muito difícil dar continuidade aos projetos. Para as empresas, construir uma ferrovia, por exemplo, que é um projeto de 30 anos, sem garantia de continuidade, é um grande risco, o que pode elevar o custo da construção. É preciso buscar um consenso social, independentemente de governadores ou partidos, para que o trabalho continue.
Em que pé está o projeto de recuperação de terras degradadas financiado pela Jica (agência japonesa responsável pela implantação de assistência oficial para o desenvolvimento)? Ele atingiria o Cerrado aqui em Mato Grosso do Sul?
A Jica tem uma longa história de cooperação com a Embrapa para o desenvolvimento do Cerrado, desde as décadas de 1970, 1980 e 1990. Recentemente, no ano passado, foi lançado um novo projeto icônico na área agropecuária, focado na recuperação de pastagens em terras degradadas.
Como funciona a primeira fase desse projeto?
A primeira fase consiste em cooperação técnica para pastagens degradadas. Isso envolve a análise da situação das pastagens e a pesquisa de medidas eficientes para melhorar essas terras degradadas, utilizando novas tecnologias.
Que tipo de tecnologia é utilizada no monitoramento dessas terras degradadas?
São utilizados dados de satélites, incluindo satélites japoneses, para capturar e analisar informações mais facilmente. Às vezes, também é empregada inteligência artificial para esse fim. Isso é importante porque as pastagens degradadas estão muito expandidas, e é difícil precisar onde a degradação ocorre sem essa tecnologia.
Há alguma inovação em termos de fertilizantes nesse projeto?
Sim, algumas empresas japonesas têm novos tipos de fertilizantes, como biofertilizantes. O custo das medidas para pastagens degradadas é um fator importante, pois os proprietários muitas vezes não querem gastar muito para fertilizar, há casos em que não é economicamente benéfico.
Como o governo japonês está abordando a questão do financiamento para a segunda fase do projeto?
O governo japonês está estudando, em conjunto com o Ministério da Agricultura [Mapa] e o Ministério da Fazenda, uma segunda fase que envolveria cooperação financeira, oferecendo créditos para agricultores ou cooperativas que desejam recuperar pastagens ou ter rastreamento.
Qual é o valor de aporte previsto para esse financiamento?
O valor é bastante grande. O governo japonês está pensando em um sistema inovador para ampliar esse valor, com a possibilidade de outorgar US$ 1 bilhão. Para isso, será convocada a participação do setor privado, como bancos e empresas de investimento. O valor é para todo o Brasil. Mas, claro, como o Cerrado integra o bioma de Mato Grosso do Sul e nele há muita degradação, o Estado certamente será contemplado.
Há alguma contrapartida do Brasil para o Japão nessa cooperação?
Basicamente, a primeira fase é de cooperação técnica, envolvendo pesquisas e outras atividades. Na segunda fase, será necessário engajar mais o setor financeiro, talvez o Banco do Brasil e outros, para que o crédito chegue aos agricultores. No entanto, o desenho dessa parte ainda não está definido.
O projeto está atrasado em relação ao previsto?
Há cerca de três anos, um deputado mencionou que um projeto grandioso de recuperação de pastagens estava em tratativas com o governo japonês e o Banco de Fomento do Japão. A fase um já foi concluída. A cooperação técnica e os estudos precisam ser realizados em paralelo, e espera-se que os resultados não demorem cinco anos.
O Japão abriu o mercado para a carne brasileira?
Ainda não, para a carne bovina. No entanto, neste ano, o Japão se tornou um grande mercado para o frango do Mato Grosso do Sul, com 18% da exportação de carne de frango da região indo para o mercado japonês. Começamos a aplicar a regionalização da carne de frango para a gripe aviária. Se houver um caso de gripe aviária, somente a municipalidade afetada será bloqueada, e as outras cidades podem continuar exportando.
Sobre a carne bovina, temos uma comissão de especialistas em temas sanitários que precisa aprovar a importação. Nossos padrões são um pouco mais rigorosos do que os reconhecidos por organizações internacionais, pois o Japão é um país insular e precisa proteger sua produção. Estamos trabalhando bastante, trocando informações e acelerando os contatos entre especialistas. A decisão será científica, não política, então não posso dar um prazo.
Qual foi o impacto da liberação de visto para brasileiros no Japão?
A liberação de visto para brasileiros de curto prazo [máximo de três meses], que começou no fim de setembro de 2023, teve um impacto significativo. Em 2024, o número de turistas brasileiros aumentou 40%. Neste ano, até agora, houve um aumento de 30%. Espero que o número de visitantes brasileiros quase dobre.
O que um brasileiro precisa fazer para viajar para o Japão agora?
Basta ter um passaporte. Não é preciso requisitar nenhuma autorização. É só embarcar, chegar lá e carimbar o passaporte.
Como está o custo de vida no Japão para turistas brasileiros?
Nossa moeda, o iene, está um pouco desvalorizada. Comer em um restaurante em Campo Grande, às vezes, pode ser mais caro do que em Tóquio. Em Tóquio, uma refeição padrão pode custar 6 ou 7 dólares, o que é mais barato do que no Brasil e nos Estados Unidos. A hospedagem também acompanha esse padrão de preço, mas, como está mais barato, mais turistas estão vindo, e os preços dos hotéis estão subindo.
Qual é a rota turística mais comum no Japão?
Há uma rota chamada Rota de Ouro, que passa por Tóquio, Quioto [antiga capital] e Osaka. Essa rota atrai muitos turistas estrangeiros e oferece facilidades de idiomas, com painéis em inglês e, às vezes, em português ou espanhol nas estações.
Qual é a visão do Japão sobre a tendência de veículos híbridos no Brasil, especialmente com etanol?
No Brasil, damos muita importância à categoria flex [gasolina com etanol] e híbridos. A Toyota tem a tecnologia para combinar gasolina com etanol e bateria, o que é um desafio pela instabilidade do círculo do motor com etanol. A Toyota é a única empresa que tem essa tecnologia, e suas unidades brasileiras a aperfeiçoaram. Queremos exportar ou aplicar essa tecnologia brasileira de etanol em outros países como Índia, Tailândia e Indonésia, que também produzem açúcar.
PERFIL - Teiji Hayashi
Teiji Hayashi é diplomata de carreira com mais de três décadas de experiência no Ministério dos Negócios Estrangeiros japonês. É reconhecido por seu perfil técnico e pela habilidade em construir pontes. Formado em Direito pela Universidade de Tóquio e mestre em Estudos Europeus pela Universidade Politécnica de Madri, Hayashi já representou o Japão em postos estratégicos, como na Argentina e na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desde que assumiu a embaixada em Brasília, em 2021, atua para aprofundar as relações entre Japão e Brasil em áreas como inovação, energia renovável, agricultura sustentável e intercâmbio cultural.
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