Mensagens que criminosos sul-americanos passaram a endereçar para rivais, com respingos em autoridades e governos nacionais, estão gerando diversas situações nos setores de diplomacia de países ao redor do Brasil.
O narcotraficante uruguaio Sebastián Enrique Marset Cabrera, foragido da Justiça desde 2021 e com alerta vermelho da Interpol, voltou a figurar no cenário da segurança pública de Brasil, Bolívia, Paraguai e Uruguai entre setembro e outubro, ao fazer declarações em vídeo que circulou em redes sociais, que também acabou gerando incômodo nas relações entre Bolívia e Paraguai.
O caso mais emblemático sobre essa tensão governamental gerada a partir de relatos do crime organizado envolveu o ministro do Interior do Paraguai, Enrique Riera, e o então ministro de Governo da Bolívia, Roberto Ríos. Este último saiu do cargo com a troca de presidente no país vizinho, que ocorreu no sábado. Enrique Riera sugeriu que a Bolívia estaria “abrigando” Sebastián Marset.
O criminoso deu sinais de ter vínculos com o Primeiro Comando da Capital (PCC), organização criminosa brasileira, e estar atuando em uma possível etapa de expansão de rotas do tráfico de cocaína na Bolívia.
Além do vídeo em que ele aparece armado e com um material gráfico que remete ao PCC, também houve um informe do setor de Inteligência da Polícia Boliviana que apontou uma atuação mais contundente de Marset contra outros grupos criminosos bolivianos.
Por conta das insinuações do representante do governo paraguaio, a Bolívia apontou que ainda não existem evidências de que o narcotraficante uruguaio esteja escondido em território boliviano.
Além disso, houve comunicado formal para que autoridades paraguaias possivelmente pudessem compartilhar dados que apontem o paradeiro do investigado com a Bolívia. A medida foi tomada como um posicionamento de repreensão ao governo paraguaio.
Em Santa Cruz de la Sierra, no fim de outubro, Roberto Ríos convocou a imprensa boliviana para criticar o “desencontro diplomático” entre os países enquanto há sinais de que as organizações criminosas transnacionais estão buscando ficar cada vez mais alinhadas para garantir que as rotas do tráfico sigam em funcionamento.
“Nós, sendo responsáveis e respeitosos dos procedimentos estabelecidos, fizemos solicitação, por meio da Interpol, à Polícia do Paraguai para que sejam fornecidas mais informações [sobre o paradeiro de Marset]. Entregaram para a gente dados preliminares. Ainda assim, queremos detalhar esta informação, porque não existe evidência específica da presença de Marset no nosso país”, apontou o então ministro de Governo da administração de Luís Arce, que saiu do poder no sábado.
Desde a penúltima semana de outubro, a Polícia Boliviana e a Fuerza Especial de Lucha Contra el Narcotráfico (Felcn) estão com operações em andamento para tentar identificar as organizações criminosas atuando no país.
Nesse trabalho, já foi apurado que o PCC está diretamente ligado com as principais rotas de narcotráfico na Bolívia, bem como agindo em conjunto com organizações que têm como liderança o uruguaio Marset e o boliviano Yasser Andrés Vásquez Cardona, o Coco.
Com as disputas diplomáticas em curso, no começo de novembro, o ministro Enrique Riera deu declaração reafirmando que há indícios de a Bolívia estar mesmo abrigando Marset e que a manifestação do governo vizinho acabou sendo exagerada, ainda ligando a situação ao fato de a atual administração, de esquerda, estar deixando o poder após mais de 19 anos.
“Eu recebi extraoficialmente [a informação sobre Marset], mas, por meio de fontes muito confiáveis de amigos da Interpol da Bolívia e do Paraguai, [que] começaram a trocar informações de que existia a possibilidade de que [Marset] seguisse na Bolívia ou que está na Bolívia”, alegou Enrique Riera, ao conceder entrevista anteriormente à Rádio Monumental.
LIGAÇÕES ENTRE PAÍSES
Enquanto Sebastián Marset segue foragido desde 2023, quando vivia em uma mansão em Santa Cruz e conseguiu escapar de um cerco policial que tentava prendê-lo, sua ex-namorada Gianina García Troche está detida no Paraguai.
Ela é acusada de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Já Marset, que tem advogado constituído no Uruguai, segue na lista vermelha da Interpol.
Por conta de uma suposta disputa por rotas de tráficos de drogas na América do Sul, o uruguaio estaria sendo ameaçado por outro criminoso, que já foi seu aliado. Erlan Ivar García López, supostamente, estaria fornecendo informações do paradeiro de Marset.
O vídeo em que o uruguaio aparece com ligações com o PCC foi filmado como uma mensagem em tom de ameaça direcionada a Ivar, que é também conhecido como Colla.
Apesar de não haver menção ao território brasileiro nessas disputas, o País está conectado pelo fato de, aparentemente, as organizações criminosos das diferentes nações estarem mantendo relação comercial fomentada pela busca do lucro gerado pelo tráfico de drogas.
No Brasil, não houve pronunciamento oficial de autoridades sobre a situação envolvendo Bolívia e Paraguai. Paralelo a isso, a Polícia Federal em Mato Grosso do Sul confirmou que está procurando ampliar a atuação binacional para ter mais efetividade em investigações.
“Já reconhecemos que o crime é transfronteiriço e o Brasil possui uma atuação em La Paz e em Santa Cruz de la Sierra [ambos na Bolívia], com policiais federais presentes naqueles locais. Mas agora precisamos ter os policiais bolivianos do lado de cá para agirem da mesma forma. Aqui em Corumbá é o principal local para essa integração ocorrer”, apontou o superintendente da Polícia Federal no Estado, Carlos Henrique Cotta D’Angelo.
*SAIBA
Matéria do Correio do Estado da semana passada mostrou que Marset chegou a se “esconder” à vista de todos na Bolívia, onde criou um time de futebol em que também era um dos jogadores. Ele disputou partidas e deu até entrevistas.





