Antonio Calloni se tornou, nos últimos anos, um dos atores mais requisitados de sua geração na tevê. Porém, pelo menos nas novelas, vem interpretando personagens com prazo de validade curto dentro das histórias. Foi o que aconteceu em “Os Dias Eram Assim”, em que o empreiteiro Arnaldo morria de infarto no começo da segunda fase; em “O Sétimo Guardião”, onde apareceu por 16 capítulos; e agora, como o vendedor de tecidos Júlio, na quinta versão de “Éramos Seis”. “Foi coincidência, mas não reclamo. Acho maravilhoso fazer um trabalho com mais calma e dedicação. Mas, se tiver de fazer uma novela inteira, farei, sem problema”, garante.

Na história, Júlio se esforça para honrar todos os compromissos financeiros de sua família – principalmente o financiamento do casarão em que mora e a educação dos quatro filhos que tem com Lola, papel de Gloria Pires. Para aliviar o estresse e desabafar suas frustrações, porém, recorre ao cabaré da trama, onde mantém um caso com Marion, vivida por Ellen Rocche. É lá também que Júlio toma umas doses a mais, preocupando sempre a mulher e fragilizando ainda mais sua própria saúde. “Acho que o peso de ser o provedor de quatro filhos em uma casa gigantesca que a esposa quis comprar é muito grande para o Júlio. Isso é algo que a gente carrega até hoje. Já mudou, mas ainda precisa melhorar. Essa carga realmente adoece as pessoas”, analisa.
P – Em “Éramos Seis”, qual é o seu maior desafio?
R – Fazer um homem simples. A simplicidade é extremamente difícil. Confesso, modéstia à parte, que também me considero um homem simples, não tenho grandes arroubos de excentricidade. Mas fazer esse universo, artisticamente falando, é difícil. Você precisa torná-lo interessante. Esse é o desafio aqui e eu estou adorando fazer.
P – Fisicamente, você está mais magro que em “Assédio”, seu último trabalho exibido na tevê antes de “Éramos Seis”. Foi proposital?
R – O Júlio tem úlcera. Acho que ele gosta de comer. Mas, ao mesmo tempo, não pode exagerar, porque ataca o estômago. Então, para esse personagem, achei que era melhor perder um pouquinho de peso. Nessas horas, o que costumo fazer é comer de tudo, só que menos um pouco. Eu ando de bicicleta e, quando não consigo, subo as escadas do prédio – o que também é muito bom. São dez andares. Academia eu não frequento. Não tenho nada contra, mas prefiro atividades ao ar livre. Porém, não sei quanto eu perdi.
P – “Assédio” chamou bastante atenção. O que representou, na sua opinião, para sua carreira?
R – Foi um dos trabalhos mais incríveis que já fiz. Fundamental para esse tema, que precisa acabar. Politicamente, é um trabalho muito importante não só para o Brasil, mas para o mundo todo. Quanto mais a gente discutir essa questão, mas ela tende a ser resolvida. E o mais rápido possível, que é o que espero.
P – Em novelas, você tem feito personagens que não ficam até o final. Isso é um pedido seu?
R – Coincidência, mas não reclamo. Acho maravilhoso, dá para fazer um trabalho com mais calma e dedicação. Mas, se eu tiver de fazer uma novela inteira, farei, sem problema nenhum. Em “Éramos Seis”, a previsão é que eu fique até o capítulo 48. Em “O Sétimo Guardião”, foram 16. Talvez, na próxima, eu faça inteira (risos).

P – Suas cenas em “Éramos Seis” mostram, cada vez mais, a questão do alcoolismo de Júlio. De que forma esse tema será abordado?
R – Essa é a válvula de escape do Júlio, é onde ele consegue se desafogar um pouco dessa pressão de ser o provedor, de ter de pagar a casa e a educação de quatro filhos. Até hoje isso é comum. Na história, o Júlio até fala com a Lola sobre vender a casa, mas aquele é o sonho dela e ele aceita. A contradição do personagem é essa e é muito bonita: ele é apaixonado pela Lola e quer que a família seja feliz.
P – Mas ele tem uma amante...
R – Só que não se apaixona. Tem o caso com a Marion, do cabaré. É uma relação bonita porque, além do sexo, há um companheirismo e uma intimidade de amigos. Tudo que ele não consegue falar em casa, diz para ela. E a Marion tem essa sabedoria de entender, uma inteligência de vida bem interessante. Ele precisa desabafar com alguém os conflitos, as frustrações, mas não se apaixona. Ela é uma confidente. Na época, era uma coisa muito comum o homem dar suas saidinhas, ter uma amante e a mulher fingia que estava tudo bem.
P – Hoje, como você acha que as mulheres encaram esse tipo de situação?
R – A cabeça da sociedade mudou, embora o machismo ainda esteja mais presente do que eu gostaria e do que as mulheres gostariam. Sem dúvida, houve avanços, mas podemos melhorar muito. O empoderamento feminino está cada vez mais presente, sentimos isso e ainda bem! Até hoje, há resquícios daquela criação machista. Mas esse tipo de compreensão que a mulher tinha já não existe mais. Agora, é “ok, se ele dá as saidinhas dele, eu vou dar as minhas também”.
P – Em dezembro, o Viva vai reprisar “O Clone”. Quais são suas lembranças dessa época?
R – Até hoje, é inacreditável como essa novela tomou conta do mundo. Recebo mensagens dos países mais diferentes do planeta. É impressionante como deu certo. E que delícia ter feito. Vou assistir de novo e me divertir. Às vezes, vejo no Instagram algumas cenas, tem gente que coloca ali.
P – O que você acha que mudou na sua vida de lá para cá?
R – Interiormente, vamos ganhando experiência, maturidade e calma. O senso de paciência sobre as coisas melhorou muito. Gostaria de ser bem mais paciente do que eu sou, mas melhorei bastante. O tempo faz a gente compreender o movimento da vida. Essa foi uma mudança que eu gostei de viver.
Voz da experiência
Para interpretar Júlio em “Éramos Seis”, Calloni contou com uma ajuda importante. A Globo promoveu um workshop da equipe do remake com profissionais que participaram de outras versões do romance de Maria José Dupré, publicado em 1943. Nicette Bruno, que viveu Lola na versão de 1977, produzida pela extinta Rede Tupi, e Othon Bastos, que interpretou Júlio na adaptação mais recente antes da atual, de 1994, feita pelo SBT, conversaram com o grupo. “Ele falou muito da novela, do papel, foi bem generoso. Sou bem agradecido ao Othon”, lembra Calloni.
Mesmo assim, Calloni não viu outras versões de “Éramos Seis” para interpretar o patriarca da família Lemos no texto de Angela Chaves. Até porque, para ele, é preciso que cada leitura que se faça dessa história acompanhe as mudanças da época em que é feita. “Isso, claro, sem descaracterizar a história original. Torço para que, daqui a alguns anos, seja refeita essa novela e com uma nova visão, de outro período. Isso é bem estimulante”, defende.
Direções incertas
A carreira tão bem-sucedida de Antonio Calloni na televisão pode fazer parecer que o paulistano de 57 anos direcionou sua vida para chegar ao ponto em que está. Mas, pelo menos de maneira consciente, o ator garante que isso não acontece. “Não tenho nenhum planejamento. A vida tem de ter movimento e não pode parar. E eu gosto de seguir o fluxo, não crio muitas expectativas. Prefiro ter fé de que as coisas vão acontecer do jeito que elas têm de acontecer”, filosofa.
A dedicação intensa a veículos como a tevê e o cinema, no entanto, fazem com que Calloni precise abrir de alguns hobbies em sua vida. Inclusive dos mais simples. “Gosto muito de ver séries e de ler, por exemplo. Mas não consigo no ritmo que eu gostaria. Amo viajar e fica difícil, porque o tempo que dedicamos a uma novela é muito intenso”, confessa.

Instantâneas
# Antonio Calloni começou a atuar em 1978, fazendo teatro de periferia, em São Paulo.
# Em 1980, inscreveu-se no curso de teatro de Célia Helena, com três anos de estudo, e esteve também no Centro de Pesquisa Teatral (CPT), dirigido por Antunes Filho.
# Sua estreia na tevê aconteceu em 1986, na minissérie “Anos Dourados”, da Globo.
# Em 33 anos de carreira na tevê, Calloni fez apenas dois trabalhos fora da Globo. O primeiro foi a novela “Brasileiras e Brasileiros”, do SBT, em 1990, e o segundo foi “74.5: Uma Onda no Ar”, na Manchete, em 1994.