O cinema dos anos 1980 e 1990 foi dominado por um tipo de fantasia masculina muito específica: heróis imbatíveis, frases de efeito ditas em câmera lenta, tiros e explosões em sequência, sempre embalados por algum humor deslocado que, de tão forçado, virava marca registrada. Play Dirty, novo filme de Shane Black com Mark Wahlberg, parece ter sido montado como um grande “best of” desse imaginário.
A cada cena, há um déjà vu: um golpe atrás do outro, uma trama que se complica apenas por obrigação, vilões caricatos e aliados pouco confiáveis. O herói, claro, está sempre um passo à frente, mas nunca com verdadeira densidade dramática — apenas com a confiança artificial de quem aprendeu a sobreviver em meio a frases de efeito e balas perdidas. O humor surge, mas não arranca gargalhadas; as reviravoltas aparecem, mas soam previsíveis; a ação se acumula, mas raramente convence.
O resultado é um filme que entretém pela superfície — há brilho, há barulho, há ritmo — mas que se desfaz no instante em que termina. O espectador acompanha sem esforço, mas também sem envolvimento. Não há perigos reais, não há emoção sustentada. O que resta é a sensação de se ter passado duas horas diante de um quebra-cabeça de clichês, um passatempo que não incomoda, mas tampouco deixa lembrança.
Mark Wahlberg, no centro da narrativa, parece em piloto automático. Sua presença não compromete, mas também não eleva a trama. Já o elenco coadjuvante — nomes como LaKeith Stanfield e Rosa Salazar — até tentam criar nuances, mas ficam aprisionados na mesma engrenagem de situações repetitivas.
Parker (Wahlberg) é um ladrão experiente, pragmático, sem paciência para tolices, que acredita em códigos de honra no submundo do crime. O filme começa com um assalto ousado a uma sala de contagem de hipódromo — a clássica “one last job” que, claro, dá errado. Um dos comparsas é traído, outro é morto, e Parker mal escapa com vida.
Ferido e escondido em um motel decadente, ele descobre que foi traído por Zen (Salazar), uma parceira de equipe tão letal quanto enigmática. A partir daí, Play Dirty se transforma em uma sucessão de vinganças, reviravoltas e alianças improvisadas que se empilham umas sobre as outras. Parker se une a Grofield (Stanfield), um ladrão que vive entre o crime e o teatro — literalmente, ele dirige uma companhia teatral falida —, e juntos eles mergulham em um enredo cada vez mais delirante, que envolve máfia nova-iorquina, mercenários e até um ditador sul-americano disposto a financiar um golpe diplomático com um tesouro submerso.
Shane Black, conhecido por equilibrar humor e violência em filmes como Kiss Kiss Bang Bang e Iron Man 3, tenta repetir a fórmula aqui: misturar ação explosiva, sarcasmo e um toque de melancolia. Mas o que poderia ser uma paródia inteligente do gênero acaba soando apenas como uma colagem de referências.
Há tiros, explosões, frases de efeito e mulheres fatais, mas pouco que realmente conecte tudo isso. As motivações se perdem entre duplas traições e planos mirabolantes, e o espectador acompanha mais por inércia do que por envolvimento. Wahlberg faz o que sabe fazer — o durão lacônico que resolve tudo à força —, mas o personagem nunca ganha peso dramático.
No fim, Play Dirty é exatamente o que o título promete: um jogo sujo, literal e narrativo. Um filme que distrai, mas não deixa rastro; que parece mais interessado em celebrar um tipo de masculinidade em extinção do que em reinventar o gênero. Um passatempo, no sentido mais neutro da palavra.


