A esta altura, a cerimônia final do Emmy não é exatamente um mistério — é quase um roteiro. Depois de dois fins de semana de Creative Arts, que já sinalizam tendências e eliminam grande parte do suspense, o domingo deve apenas carimbar o que os números e o humor da Academia vêm dizendo: será uma noite de confirmações, com uma ou outra surpresa pontual (se acontecer), mas nada que reescreva o enredo.
Em comédia, o impulso de The Studio é difícil de conter: recorde de indicações, avalanche nos técnicos e aquele apelo irresistível de série sobre o próprio showbiz — a combinação que a Academia ama. A lógica aponta para vitória em série e um pacote que inclui roteiro/direção; no elenco, Seth Rogen desponta como rosto da consagração, e Catherine O’Hara deve colher o carinho da indústria em coadjuvante; se a onda for realmente “noite do The Studio”, Ike Barinholtz fecha o trio. Do outro lado, Hacks permanece como o adversário respeitado e, se alguém quebrar a corrente em atriz de comédia, será Jean Smart — que, honestamente, a Academia raramente resiste quando ela está no páreo.
Em drama, Severance chega com a força aritmética (e simbólica) do líder de indicações e um retorno de temporada que rendeu troféus na parte técnica; é o tipo de frontrunner “difícil de votar contra” quando o colégio inteiro participa das categorias de programa. Se houver abalo, ele atende por The Pitt — pouco volume de indicações, muita conversa crítica, um daquelas vitórias estratégicas em premiações-ponte que inflamam a narrativa de “crescimento tardio”. Ainda assim, a aposta segura continua sendo Severance levando série e repartindo direção/roteiro, com Adam Scott brigando pelo protagonismo.
Em ator, porém, o duelo tem cheiro de foto-finish: Noah Wyle pode ser a escolha sentimental-eficaz que a Academia adora resgatar, enquanto Sterling K. Brown ronda como aquele terceiro nome que sempre aparece nos boatos de última hora. Em atriz, o simbolismo de Kathy Bates por Matlock se impõe (seria um marco histórico e um aceno à TV aberta), mas Britt Lower é o “plano B” pronto para entrar se o corpo votante preferir alinhar tudo à hegemonia de Severance.
Em limitada/antologia, a matemática e o zeitgeist empurram Adolescence para o centro do palco: menos indicações que The Penguin, mas tração global, boca a boca e o perfil de “a série de que se falou o ano inteiro”. Penguin deve sair com o que veio buscar em atuação: Cristin Milioti tem o papel de estilhaçar envelopes e Colin Farrell, a estatueta que completa o arco.
O arco de apoio parece desenhado para um pequeno domínio de Adolescence (Erin Doherty e o jovem Owen Cooper formam o tipo de dupla narrativa que a Academia costuma transformar em “momento”), enquanto, no drama, The White Lotus mantém o magnetismo de elenco que rende vitórias pulverizadas — e é aqui que Aimee Lou Wood e Sam Rockwell aparecem como apostas de assinatura, daquelas escolhas que contam uma história dentro da história. E sim, ninguém tira o Emmy de Carrie Coon esse ano.
Entre os formatos, o pêndulo do “é isso e pronto” fica ainda mais óbvio. Talk Series tende a se transformar no grande suspiro catártico por The Late Show With Stephen Colbert — uma correção tardia somada ao barulho do ano e ao empurrãozinho das vitórias técnicas do fim de semana. Scripted Variety premia a instituição viva: Saturday Night Live é tradição, músculo e uma festa de 50 anos que a Academia não costuma deixar sem brinde — e, já que é aniversário, SNL50: The Anniversary Special deve prevalecer entre os live specials e ampliar a sensação de “noite comemorativa”.
Em Reality Competition, The Traitors parece ter quebrado a represa e, quando isso acontece nessa categoria, vira hábito: Alan Cumming já adiantou o recado em apresentador, e o programa deve repetir o troféu principal.
No mais, a liturgia se cumpre. Haverá In Memoriam — forte, com performance pensada para cortar o ruído —, e um momento de tributo humanitário que organiza a emoção coletiva antes do sprint final de envelopes. E é por isso que falo em aviso, não em previsão: a separação das cerimônias serve justamente para essa engenharia de expectativas.
Os Creative Arts limpam a trilha, a principal colhe os frutos visíveis. Surpresas existem? Claro. Uma virada aqui, um “como assim?” ali, especialmente em categorias de atuação mais congestionadas. Mas os últimos anos ensinaram que a noite raramente é um terremoto; é, no máximo, um solavanco.
Portanto, espere The Studio carimbando a ascensão em comédia, Severance consolidando a liderança em drama com potencial de disputa pontual (colocando a Apple Tv Plus com destaque), Adolescence impondo sua narrativa em limitada, e um punhado de vitórias que selam trajetórias individuais — Jean Smart onde sempre esteve, Milioti e Farrell no auge do timing, escolhas de coadjuvantes que parecem evidentes quando vistas no dia seguinte. Se algo muito fora do script acontecer, ótimo: todo prêmio merece um susto. Mas a TV, amanhã, deve mais uma vez preferir o conforto do que já foi combinado nos bastidores dos números.


