A poesia concretista de Haroldo de Campos, o rock político de Rita Lee, a homenagem à maluquice-beleza de Raul Seixas, o protesto contra o abuso de menores no Haiti. Parece muita coisa para um único disco, mas cabe ainda mais nas 14 faixas de “Olho Furta-Cor”, o 17º álbum de estúdio dos Titãs.
A banda celebra os 40 anos de carreira com o show de lançamento do novo disco, no sábado, a partir das 21h, na Praça do Rádio Clube.
A apresentação será gratuita, como uma iniciativa da Fecomércio e do Sesc MS para celebrar o Dia do Comerciário, normalmente comemorado na terceira segunda-feira do mês de outubro.
“A substância do disco é ácida e pesada, retrata o momento em que a gente vive”, diz o guitarrista Tony Bellotto, em entrevista ao Correio do Estado. Bellotto, Sérgio Britto (teclado, baixo e vocal) e Branco Mello (baixo e vocal) são os únicos integrantes a permanecer do noneto originalmente formado em 1982.
Confira os principais trechos da conversa a seguir.
O que me diz de “Olho Furta-Cor”?
É um disco que traz muito de uma visão, uma crônica, do Brasil atual. As primeiras ideias foram sendo concebidas e gravadas enquanto a gente estava em isolamento ainda, se comunicando uns com os outros da banda por WhatsApp, gravações de celular, mostrando uma ideia aqui e outra ali.
Quando a pandemia começou a ser debelada, a gente começou a se encontrar e o disco foi tomando forma.
É um disco de rock, basicamente um disco elétrico com uma pegada forte. Tem algumas canções acústicas, mas acho que todo o tema, toda a substância do disco, é bastante ácida e pesada no sentido em que retrata o momento em que a gente vive. É claro que há alguns momentos de muita ironia, alguns até de brincadeira.
Mas é um disco forte no sentido de expressar tudo isso que acontece. Dentro da nossa carreira, ele se insere como um disco muito potente, um disco de conceito, que é uma coisa que a gente vem fazendo desde o início.
Por que celebrar quatro décadas com um disco de inéditas?
Foi a forma mais criativa e relevante possível que a gente encontrou para comemorar os 40 anos de carreira.
Em vez de ficarmos só revivendo as glórias do passado, é muito importante, muito mais divertido e muito mais instigante para nós fazer músicas novas e continuar fazendo aquilo que a gente sempre gostou de fazer.
Discos fortes em que a gente se desafia, tenta se superar. É o que mantém a gente vivo e ativo na estrada até hoje.
E a faixa “Caos”, que acabou estourando?
“Caos” é uma faixa muito especial. Primeiro porque é um presente da Rita Lee, do Roberto de Carvalho e do [guitarrista] Beto Lee. Uma música composta ali em família especialmente para nós.
A Rita Lee é a rainha do rock brasileiro, é uma artista fundamental na cultura brasileira, e nós, Titãs, sempre fomos influenciados por ela, desde muito novos. Ficamos muito gratos e percebemos que tinha ali uma essência do que a gente já estava falando nas outras músicas desse disco, só que com aquela pegada que só a Rita Lee tem de conseguir falar coisas sérias de uma maneira engraçada.
A música é irônica, trata de um momento complexo e conturbado da política brasileira, e ela consegue falar de um assunto pesado de uma forma irônica, leve e engraçada.
É muito popular, como tudo que a Rita faz e, logo que a gente começou a gravar o disco, percebemos que seria a música ideal para lançar o trabalho. Porque, apesar de não ser uma música de nossa autoria, ela simboliza muito esse trabalho.
Até, como uma música única, talvez seja a que mais simbolize, mais do que as nossas próprias músicas. “Caos” foi um grande presente.
Como é ter o Beto Lee na atual formação?
O Beto Lee é fantástico, um garoto que já nasceu com o DNA do rock ‘n’ roll brasileiro muito ativo. Ele é filho da Rita e do Roberto de Carvalho, dois grandes compositores e inventores do rock brasileiro.
Apesar de ser mais novo que a gente, ele tem um conhecimento de rock muito profundo e é um guitarrista até, no bom sentido, mais antigo que eu.
Ele tem mais influência das grandes guitarras do rock clássico americano e inglês dos anos 1960 e 1970 do que eu.
Me considero mais influenciado pelo rock ou punk rock dos anos 1980. É um guitarrista muito sofisticado e que se adequou muito ao nosso som. Ele e o Mário Fabre, nosso batera, são caras que trouxeram muita energia, muita eletricidade e são fundamentais no som que a gente faz hoje em dia.
Como tem sido os shows da turnê?
A gente trabalha com direção, cenários e luz do Octávio Juliano, que é um diretor fantástico, com alma de roqueiro. É músico também, já trabalhou com a gente em vários projetos, como na ópera-rock “Doze Flores Amarelas” [2018] e no projeto do trio acústico [a partir do álbum de mesmo nome, lançado em 2021].
É muito interessante que a gente está fazendo shows pelo Brasil do lançamento do “Olho Furta-Cor” e tem o show elétrico e o show acústico, que é um show em que a gente conversa com o público e, ao mesmo tempo, introduzimos algumas músicas do “Olho Furta-Cor”.
Um disco elétrico, pesado, que levamos para o Brasil tanto no formato elétrico quanto no formato acústico, e o disco continua sendo elétrico e pesado onde quer que ele aconteça. Está sendo uma grande satisfação, depois de todos aqueles meses de isolamento da pandemia, estarmos fazendo grandes shows.
Tanto os artistas quanto o público estavam com muitas saudades dessa grande vibração que são os shows ao vivo, em que a gente pode se encontrar e dividir aquela energia juntos.
Como vocês se viram para montar o repertório? Fico imaginando uma dividida permanente entre clássicos e canções novas.
Não podemos deixar de tocar canções antigas em nossos shows. Mesmo quando estamos fazendo um show de lançamento de um disco novo, tocamos mais músicas antigas do que músicas novas.
É uma questão de funcionamento, de dinâmica do show, que não dá para mudar. Porque as pessoas vão com a expectativa de conhecer o disco novo, mas querem ouvir aquelas músicas clássicas que elas amam.
Tem muitas músicas do disco “Cabeça Dinossauro” [1986] que não podem faltar em nenhum show nosso, como “Bichos Escrotos”, “Homem Primata”, “Família”, “Polícia”. Tem também algumas músicas, como “Epitáfio”, “Enquanto Houver Sol”, que precisam estar presentes e cabem em qualquer tipo de show que a gente faz.
Esse show tem desde “Sonífera Ilha”, nosso primeiro sucesso, até “Caos”, nosso mais recente sucesso. E não podem faltar. Essa ligação entre os sucessos do passado e as músicas atuais é o que nos mantém animados para fazer os shows.
Poderia contar alguma eventual lembrança dos shows em Campo Grande?
A gente gosta muito de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul, são lugares que a gente frequenta há 40 anos, desde o início da carreira. Tem uma história muito específica, que foi logo no começo da carreira.
Fomos fazer um show em CG em que éramos a atração principal, aquela banda que toca no fim do show. E uma banda que estava começando a fazer sucesso foi escalada para abrir o show, que era o RPM.
Só que, entre o momento em que o show foi marcado até o momento em que aconteceu, o RPM deu um estouro muito grande. Quando a gente viu, as pessoas estavam indo muito mais para ver o show do RPM do que a gente. Eles abriram o show e a gente tocou depois, e eles fizeram muito mais sucesso do que a gente.
A gente sempre lembra dessa história, que foi um desses momentos pitorescos, interessantes da carreira. Campo Grande é uma cidade que está em nosso coração, temos fãs aí de todas as idades, gente que nos acompanha desde o começo da carreira até o pessoal que está começando a curtir agora.
Sempre fazemos grandes shows e acabamos vivendo novas histórias para contar no futuro.