O profissional diz que as redes sociais, ainda que deram voz a muita gente boa, acabaram também dando espaço às fake news no campo nutritivo, com um grande reducionismo dos temas
Comer 20 ovos por dia para perder peso rápido, tomar suco de babosa para controlar a glicemia, usar cúrcuma para desinflamar o corpo, parar de comer alimentos com glúten...De acordo com especialistas em saúde, criticar as trends de 2024 é fácil – difícil mesmo é elogiar.
Com um efeito muito aquém do prometido ou que traz danos sérios ao organismo, essas foram algumas das muitas receitas e dos diversos desafios que “mitaram” no ano passado e que – como você vai descobrir a seguir – precisam ficar para trás.
O nutricionista e professor Ney Felipe Fernandes diz que as redes sociais, ao mesmo tempo que deram voz a muita gente boa, acabaram também dando espaço para as fake news no campo nutritivo, com um grande reducionismo dos temas.
“Há um excesso de informações. Eu vejo meus alunos nutricionistas confusos, imagine então o que se passa na cabeça de um leigo”, alerta.
VERÃO
No Google Trends, plataforma que avalia as pesquisas no buscador ao longo do ano, a procura pela palavra dieta recorrentemente sofre picos significativos em novembro, dezembro e janeiro. No tópico comidas e bebidas, por exemplo, há pesquisas surpreendentes junto ao termo emagrecer.
Nos últimos 12 meses, a ferramenta aponta um aumento repentino e em ascensão de caldo de ossos para emagrecer (quinto lugar e quarto lugar, quando adicionada a palavra receita), chá de alho para emagrecer, desafio do ovo para emagrecer e ovos de tênia para emagrecer (sim, do verme).
Nutricionista do Departamento de Cardiometabolismo da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Juliana Saldanha afirma que a busca por soluções milagrosas afasta os pacientes de um resultado efetivo e duradouro.
“As pessoas buscam dietas da moda extremamente restritivas para tentar ter um resultado mais rápido, só que isso, normalmente, não é sustentável a longo prazo”, garante a especialista.
“Se o paciente não ganhou todo esse peso em duas semanas, dificilmente vai perder de forma saudável nesse prazo, que acaba voltando em pouco tempo”, confirma a nutricionista.
DIETA DO OVO
Surgiu em 2023 fora do País, mas despontou no mês passado no Brasil, após a influenciadora Virginia Fonseca declarar ter aderido à proposta para perder peso rapidamente. Consiste basicamente em comer 20 ovos cozidos diariamente durante 10 dias e manter um consumo diário de no máximo 900 calorias.
A clara do ovo tem albumina, uma proteína considerada um padrão ouro de perfil de aminoácidos, mas que em demasia é prejudicial. O ideal é que o ovo entre como um substituto de outras proteínas animais nas refeições ao longo do dia, podendo ser um risco para quem tem lipidemias ou problemas de colesterol.
A endocrinologista Carolina Rocha Betônico, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), comenta que é importante encarar com cautela dietas extremas e baseadas em alimentos únicos.
“Dietas restritivas que excluem grupos alimentares inteiros costumam apresentar resultados rápidos, mas a que custo? O corpo precisa de uma variedade de nutrientes que não estão presentes exclusivamente no ovo”, avalia a médica.
GLÚTEN E CÚRCUMA
Alimentos que inflamam e desinflamam o corpo foram tópicos de destaque nas redes sociais do ano passado para cá.
O glúten foi um dos mais citados como prejudicial, enquanto a cúrcuma (ou açafrão-da-terra) se tornou uma espécie de super-heroína com efeitos como melhora da depressão, da imunidade e da cicatrização.
“Enquanto um grupo é glorificado, outros se tornam vilões sem a menor justificativa científica. Na lógica das dietas da moda, o leite inflama, o glúten intoxica e, de repente, boa parte dos alimentos que fizeram parte da cultura alimentar de várias gerações viram venenos a serem evitados a todo custo”, alerta Carolina.
A endocrinologista esclarece que o glúten só precisa ser retirado da dieta em casos específicos, como o da doença celíaca. Ela assegura ainda que não existe alimento ou suplemento que, sozinho, vá blindar o corpo contra todas as doenças ou que deva ser eliminado por toda a população.
“Saúde é construída diariamente, com alimentação equilibrada, atividade física, sono de qualidade, controle do estresse e acompanhamento médico”, frisa a docente.
VINAGRE DE MAÇÃ E SUCO DE BABOSA
Vinagre de maçã, usado como coringa da salada à limpeza nas dicas on-line, surgiu no ano passado também como um potencializador de emagrecimento. Seu consumo excessivo, porém, leva a desgaste dentário e problemas gástricos como a úlcera. Já o suco de babosa (segundo buscas de receitas de bebidas no Google no último ano) foi apontado como bom para o controle de açúcar no sangue.
“Embora a babosa tenha algumas propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes, os estudos clínicos em humanos não sustentam essas promessas amplamente divulgadas. Para o diabetes, por exemplo, não há evidências consistentes de que o suco de babosa substitua os tratamentos já existentes ou melhore o controle glicêmico”, pontua.
Embora esses nutrientes tenham benefícios comprovados pela ciência, é preciso ter cuidado com verdades absolutas.
“A cada ano o imaginário popular elege um alimento ou suplemento com a promessa de saúde sem esforço. Já foi o ano da vitamina D, depois veio o do magnésio, agora estamos na era da cúrcuma. Já foi a vez do óleo de coco, do ginkgo biloba, da água com limão em jejum e, provavelmente, outros ainda virão”, diz Carolina.
De acordo com a endocrinologista, o problema não é o alimento ou o suplemento em si, mas a forma como ele é vendido.
“Como se fosse a cura para todos os males. A lógica é quase sempre a mesma: pega-se uma verdade científica – como o fato de que o magnésio participa de inúmeras reações no corpo humano – e a partir dela se constrói uma série de falsas promessas”, critica.
Ela reforça que pessoas saudáveis e com uma alimentação equilibrada, na maioria das vezes, obtêm os nutrientes necessários da própria comida.
“A reposição, quando indicada, deve ser personalizada e baseada em exames e avaliações médicas”, ressalta.
NO RITMO CERTO
“As pessoas precisam ser encorajadas a buscar acompanhamento individualizado e, se possível, multidisciplinar. Cabe a nós profissionais também continuarmos o nosso trabalho de formiguinha promovendo educação nutricional”, defende Fernandes.
A Abeso reforça a importância de procurar um profissional de endocrinologia ou de nutrição para acompanhar o processo de emagrecimento.
“A gente tem evidência científica, temos vários protocolos que podem ser utilizados para emagrecimento e que são sustentáveis”, diz Juliana.
A nutricionista salienta que, ao longo de uma dieta, é preciso acontecer um grande processo de recuperação por meio da reeducação alimentar.
“[Isso tudo] para o paciente aprender o que comer, o momento de comer, como comer e até como fugir da dieta na hora certa e da forma menos impactante para o processo de emagrecimento”, finaliza.
*Com informações da Folhapress
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