A junção da música sul-mato-grossense com a riqueza dos povos originários é o que levou o pesquisador Flávio Zancheta Faccioni (26) a se aventurar na cultura de Mato Grosso do Sul. Essas paixões se transformaram em um livro recém lançado com o título ‘(Em) Serra de Maracaju, Sonhos Guaranis’.
Natural da cidade de Tanabi, em São Paulo, Flávio teve a oportunidade de mudar para Três Lagoas em 2014, quando foi aprovado no curso de graduação em Letras, na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no câmpus da mesma cidade. Foi a partir desse momento, que foi apresentado a cultura regional.
Foi a partir de uma professora, que Flávio começou a conhecer em profundidade sobre os povos originários, deixando de lado a visão estereotipada que havia conhecido.
“Durante o curso conheci a professora Claudete Cameschi de Souza, minha orientadora até hoje, e fui visitar várias comunidades nas cidades de Porto Murtinho, Miranda e Aquidauana. Abandonei todo um imaginário colonial que eu tinha dos indígenas, quando os conheci foi totalmente diferente do que aprendi na escola”, revela.
A ideia de pesquisar música regional veio através de um CD do cantor Almir Sater, em uma viagem realizada para um evento acadêmico.
“No trajeto comprei um CD do Almir e parceiros e uma das canções era Serra de Maracaju e assim surgiu a ideia de fazer uma pesquisa a partir dessa letra. Me interesso muito pela música, não sou historiador nem músico, eu estudo as letras, as questões que envolvem a língua, a cultura, as identidades”, comenta.
São esses dois eixos principais que perpassam toda a sua obra. O pesquisador selecionou três músicas para suas análises sobre os povos originários e todos os contextos históricos presentes.
São elas: Serra de Maracaju, composição de Almir Sater e Paulo Simões, de 2007, dos mesmos compositores, mas de 1982, Sonhos Guaranis e Kikiô composta em 1987 por Geraldo Espíndola.
""A Guerra acaba e o sonho de expansão territorial, domínio político, econômico, é cessado na Serra de Maracaju. E também pode ser visto como um espaço que os povos vêem como um local de proteção, a Serra como guardião
-Flávio Zanchetta Facionni, escritor e pesquisador
O livro além de abordar música, traz entrevistas com os compositores para entender todo o processo das composições, também tem história, mitologia, geografia e linguística.
“Analiso três canções, observo as representações que fazem sobre os povos originários, o que o país estava passando historicamente, quais os percursos históricos dos povos no Estado. Quem são os cantores e compositores, suas histórias”, enfatiza Flávio.
Para o autor, a música teria que ser o eixo de suas pesquisas, independente do que fizesse, pois foi algo que sempre esteve presente em sua vida, mesmo antes de sair de sua cidade natal.
“Meu interesse pela música vem desde muito cedo, quando fui apresentado a corais ainda em São Paulo, eu sempre quis me envolver com temas que estivesse ligado a isso, e levei essa vontade para a universidade”.
O título de sua obra surgiu depois de muitas conversas e análises, e as interpretações são carregadas de história.
“É de certa forma subjetivo, e tem dois sentidos. A preposição (Em) junto com a próxima palavra ‘Serra’, tem significado de localização e outro faz jus ao verbo encerrar, logicamente apenas o som fonético”.
O pesquisador ainda conta que durante a Guerra do Paraguai os povos se concentraram na Serra de Maracaju, para se protegerem dos conflitos armados que estavam ocorrendo entre o império brasileiro e a república paraguaia.
Com isso foi realizada uma interpretação que lá na Serra, naquele momento os sonhos dos Guarani se findaram.
“A Guerra acaba e o sonho de expansão territorial, domínio político, econômico, é cessado na Serra de Maracaju. E também pode ser visto como um espaço que os povos vêem como um local de proteção, a Serra como guardiã”, comenta o pesquisador.
No processo, Flávio foi até o Paraguai, visitar uma cidade que tem um nome que se assemelha muito à escrita da canção Kikiô.
O objetivo era conhecer a comunidade, o espaço geográfico, a questão histórica para identificar se haveria alguma semelhança entre a cidade e a canção.
“Após as visitas faço algumas interpretações sobre as histórias que me contaram, as lendas, o cacique, há vários efeitos de sentido que podem haver sobre o nome, além do arquivo público de Campo Grande que contribuiu com todo o processo”, finaliza.