Uma pesquisa inédita no Brasil, publicada no periódico Jornal Vascular Brasileiro, trouxe à tona a prevalência de uma doença muitas vezes invisível: o lipedema.
O estudo, conduzido por pesquisadores do Instituto Amato e do Valens Medical Center, aplicou um questionário de rastreamento online e validado em 253 mulheres representativas da população geral.
Os resultados, com um intervalo de confiança de 95%, apontaram que 12,3% das entrevistadas apresentaram sintomatologia compatível com alta probabilidade de diagnóstico de lipedema.
Extrapolando os dados para a projeção do censo de 2021, que estima em 71,7 milhões o número de mulheres entre 18 e 69 anos, os pesquisadores calculam que aproximadamente 8,8 milhões de brasileiras podem conviver com os sintomas desta condição.
O lipedema é uma doença vascular crônica, de origem genética e hormonal, caracterizada pelo depósito anormal e simétrico de gordura (tecido adiposo) em glúteos, quadris, coxas e pernas, podendo, em alguns casos, afetar também os braços.
Uma de suas características mais distintivas é a preservação dos pés e das mãos, criando uma desproporção evidente entre um tronco mais “fino” e os membros inferiores aumentados.
A doença é frequentemente confundida com condições mais comuns, como a obesidade, a lipodistrofia ginóide (celulite) e o linfedema – este caracterizado pelo acúmulo de líquido, e não de gordura, e que geralmente compromete o pé e pode ser unilateral.
O lipedema foi descrito pela primeira vez em 1940, mas permanece como uma condição pouco compreendida e frequentemente negligenciada.
“Ainda não faz parte do currículo médico acadêmico brasileiro, nem do currículo vascular especializado. Sendo assim, é ainda frequentemente confundido com outras condições mais frequentes. E raramente é diagnosticado na primeira consulta médica”, destaca o estudo coordenado pelo Dr. Alexandre Campos Moraes Amato.
Para o estudo, os pesquisadores utilizaram um questionário de autoaplicação, previamente validado, que soma pontos com base nos sintomas.
Para garantir um resultado mais conservador e específico, o ponto de corte escolhido foi 12, o que confere uma probabilidade individual de diagnóstico de 77,8%, com uma especificidade de 88% (baixo número de falsos positivos).
Isso significa que as mulheres identificadas têm uma alta probabilidade de realmente ter a doença. O Índice de Massa Corporal (IMC) médio das voluntárias com lipedema foi de 27 kg/m², mostrando que a condição não está restrita a pessoas com obesidade.
SINTOMAS
O impacto do lipedema vai muito além da questão estética. Os sintomas incluem dor, sensibilidade e sensação de peso nas pernas, edema (inchaço) ortostático (que piora ao ficar muito tempo em pé), facilidade para formar hematomas (roxos) e cansaço nos membros afetados.
A pesquisa brasileira, além de medir a prevalência, identificou fortes correlações entre o lipedema e outras comorbidades. No grupo de mulheres com alta probabilidade para a doença, foram encontrados índices significativamente maiores de: ansiedade (61,3%); depressão (38,7%); hipertensão arterial (41,9%); e anemia (41,9%).
“A queixa principal é, sem dúvida, o desconforto estético, que impede que a paciente use roupas que mostrem suas pernas. Também muito se fala sobre os transtornos psicológicos causados pelo lipedema, entretanto, as pesquisas sugerem que as alterações psicológicas precedem o evento e podem levar ao aumento de peso que, por sua vez, piora o lipedema”, afirma a Dra. Lidiane Rocha, especialista em Angiologia e Cirurgia Vascular e membro do Departamento de Doenças Venosas e Linfáticas da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP).
As complicações também são físicas. “Pacientes com lipedema são mais suscetíveis a lesões das articulações. Em casos mais avançados, podem ter dificuldades na marcha e consequente atrofia muscular”, complementa o Dr. Mauro Figueiredo Carvalho de Andrade, cirurgião vascular e membro da Comissão de Doenças Linfáticas da SBACV-SP. Ele ainda explica que a doença pode evoluir em estágios, iniciando pela região pélvica e progredindo, com possibilidade de, em fases mais tardias, acometer o sistema linfático, agravando o edema.
TRATAMENTO
Embora o lipedema não tenha cura, existe um arsenal de tratamentos capazes de aliviar significativamente os sintomas, controlar a progressão da doença e devolver a qualidade de vida às pacientes. A abordagem é fundamentalmente multidisciplinar e personalizada, exigindo um comprometimento de longo prazo.
O pilar central do manejo clínico envolve um rigoroso controle do peso, pois o ganho de massa corporal agrava diretamente o acúmulo de gordura patológica e a inflamação.
Para isso, uma correção alimentar é indispensável, baseada em uma dieta anti-inflamatória, com ênfase em fibras e proteínas, e na redução do consumo de laticínios e carboidratos refinados.
Paralelamente à nutrição, a atividade física constante é crucial. A prescrição inclui exercícios aeróbicos de baixo impacto, como natação e hidroginástica, que minimizam o estresse nas articulações já sobrecarregadas, combinados com musculação para fortalecer a massa muscular e melhorar o metabolismo.
Para o controle do edema e a sensação de peso e dor, a terapia de compressão é uma ferramenta essencial. Diferentemente das meias de compressão convencionais para doenças venosas, que são de malha circular, o lipedema responde melhor a meias elásticas de baixo estiramento, confeccionadas em malha plana.
Este material, menos elástico e mais robusto, oferece uma compressão mais firme e consistente, adaptando-se melhor ao formato do membro e combatendo o edema de forma mais eficaz.
O sucesso desse conjunto de medidas está intrinsecamente ligado ao suporte psicológico. O acompanhamento com um psicólogo não só auxilia na manutenção da motivação para a dieta e os exercícios, mas também é fundamental para trabalhar a aceitação da nova imagem corporal e lidar com a dor emocional de uma condição crônica e frequentemente estigmatizante.
Quando o tratamento clínico bem conduzido não é suficiente para conter o avanço da doença ou aliviar os sintomas de forma satisfatória, a intervenção cirúrgica entra em cena. A lipoaspiração especializada, realizada por cirurgiões experientes, é reservada para esses casos mais avançados.
Trata-se de um procedimento que visa reduzir o volume do tecido adiposo doente, aliviando a pressão mecânica e melhorando a mobilidade.
Estudos demonstram que essa abordagem integrada, que combina estilo de vida, compressão, suporte emocional e, quando necessário, cirurgia, pode levar a uma melhora de 35% nos sintomas com o tratamento clínico, e de 58% quando a lipoaspiração é incorporada ao plano terapêutico.


