A Rumo Malha Oeste foi autuada 74 vezes em três anos, entre 2021 e 2024, por não cuidar da faixa de domínio, abandonar prédios e não trocar dormentes e trilhos nos 1.973 quilômetros da linha férrea entre Mairinque (SP) e Corumbá. Estas infrações, em sete casos, resultaram em autuações e multas que chegaram a R$ 7,5 milhões, de acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Essa situação de abandono contrasta com a proposta do Ministério dos Transportes, que está preparando para fevereiro de 2026 uma nova modelagem de concessão para “salvar” a Malha Oeste, já que a proposta de uma solução consensual foi barrada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), ao constatar que a Rumo devolveria 1,6 mil km dos 1,9 mil km da linha férrea.
Este novo contrato foi confirmado pelo governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PP), ao Correio do Estado, após conversa com o ministro dos Transportes, Renan Filho.
“O ministro Renan Filho me garantiu que terá uma modelagem nova para a ferrovia”, afirmou Riedel, que ainda lembrou que o contrato de concessão da Rumo para o trecho vence em julho do próximo ano e que, por isso, o governo federal terá de licitar a ferrovia.
Enquanto essa proposta não é finalizada, a ANTT continua fiscalizando a gestão da Rumo na Malha Oeste, tanto que a última multa foi efetivada no dia 30 de setembro, quando a agência fez a notificação final da penalidade aplicada em 23 de setembro do ano passado, no valor de R$ 2,1 milhões.
A empresa foi punida porque fez a retirada de 4 km de trilhos do ramal de Ladário para usar em outro trecho de Corumbá. No auto de infração, consta que a Rumo foi punida por “não zelar pela integridade dos bens vinculados à concessão, conforme normas técnicas específicas, não mantendo-os em perfeitas condições de funcionamento ou conservação, até a sua transferência à concedente ou à nova concessionária”.
Em outra fiscalização, de dezembro de 2024, técnicos da ANTT constataram que 94,5% dos dormentes do trecho de 436 km entre Campo Grande e Três Lagoas estavam estragados, resultado de anos sem manutenção adequada. A penalidade, novamente, foi de R$ 2,1 milhões.
O relatório da inspeção descreve que, “segundo informações fornecidas pela concessionária, houve a substituição de 32 metros de trilhos em 2022 e de 96 metros em 2023. Em 2024, ainda não havia sido realizado tal serviço”.
Além disso, o documento apontou que as ações de recuperação previstas eram irrisórias diante do tamanho do problema.
“Foram aplicados, em 2023, no trecho entre Três Lagoas e Indubrasil, um total de 15.428 dormentes e, para 2024, a previsão era de aplicação de 7.200 dormentes – até abril do ano passado, foram aplicados 1.955 dormentes. Esses quantitativos são insuficientes, em face do grande porcentual e das grandes malhas de dormentes inservíveis verificadas no trecho”, cita o relatório.
A precariedade também afeta diretamente a segurança e a operação ferroviária. Para compensar o risco de acidentes, a Rumo reduziu drasticamente as velocidades. Entre Bauru (SP) e Três Lagoas, o trem opera a apenas 20 km/h e, em quatro pontos críticos, a limitação chega a 1 km/h – praticamente em marcha lenta.
Segundo a ANTT, “a postura da concessionária de não empenhar recursos para a manutenção mínima necessária atenta contra a segurança do transporte ferroviário e das comunidades lindeiras, além de inviabilizar a adequada prestação de serviço público de transporte ferroviário de cargas, objeto do contrato de concessão”.

OUTROS TRECHOS
Além dos trechos em Mato Grosso do Sul, a concessionária também foi punida em
R$ 2,03 milhões no trecho paulista entre Bauru e Mairinque, por “não zelar pela integridade dos bens vinculados à concessão”.
Em outro auto, de R$ 1,015 milhão, referente ao trecho Três Lagoas–Bauru, a penalidade foi aplicada porque a empresa não comunicou à ANTT uma interrupção total do tráfego ferroviário provocada por erosão nas margens de um curso d’água, problema que persiste desde janeiro de 2024.
O relatório destaca que o contorno de Três Lagoas continua interditado e que a concessionária deixou de informar oficialmente o incidente.
“Permanece a situação de abandono do trecho desde seu pedido de devolução pela concessionária”, apontaram os técnicos, observando que a manutenção de vias, vigilância e zeladoria estão interrompidas.
O cenário se repete em Corumbá, onde há ocupação irregular da faixa de domínio por uma transportadora que utiliza o espaço como estacionamento de caminhões. Em Ponta Porã, a Rumo foi multada em
R$ 396 mil por abandono da antiga estação ferroviária e da faixa de domínio do município.
O conjunto de 74 autos de infração demonstra, segundo a ANTT, um comportamento reiterado de descumprimento contratual. Desse total, 20 autuações foram aplicadas exclusivamente por falhas no dever de manter a faixa de domínio em bom estado.
Em pronunciamento oficial, Mariana Sánchez, chefe de gabinete da Superintendência de Transporte Ferroviário (Sufer), afirmou que “tal situação evidencia um padrão de conduta reiterada e negligente na gestão da infraestrutura concedida”.
Ela reforçou que “a depreciação não apenas existe, como salta aos olhos, registrada em imagens inequívocas que revelam dormentes apodrecidos, trilhos trincados, lastro contaminado e passagens em nível em estado lastimável”.
Apesar disso, a concessionária tenta se defender nos processos administrativos. Em nota, a Rumo argumenta que tem cumprido suas obrigações e que os serviços de manutenção vêm sendo realizados “de forma contínua”.
“A Rumo sempre demonstrou os esforços empreendidos para manutenção e prestação do serviço ferroviário, inexistindo fundamento legal para a imposição da penalidade”, sustentou o escritório que representa a empresa.
A concessionária também menciona que o segundo termo aditivo ao contrato de concessão, assinado em maio de 2021, redefiniu suas obrigações. O documento estabelece que a Rumo deve realizar apenas “investimentos essenciais à manutenção das condições dos bens vinculados até a assunção do sistema por nova concessionária”.
Na prática, a empresa reconhece que reduziu drasticamente os investimentos, alegando estar apenas “mantendo a operação até a relicitação”, enquanto o governo decide o futuro do trecho.
NOVA CONCESSÃO
Com o contrato prestes a vencer, o Ministério dos Transportes já trabalha em uma nova modelagem de concessão da Malha Oeste, prevista para fevereiro de 2026. O plano é relançar a ferrovia sob novos parâmetros técnicos e financeiros, tentando atrair investidores e evitar a desativação definitiva do traçado.
A proposta de uma solução consensual entre governo e empresa chegou a ser discutida em 2023, mas foi barrada pelo TCU. O órgão entendeu que o acordo favorecia a Rumo, já que a empresa pretendia devolver 1,6 mil km dos 1,9 mil km da ferrovia, mantendo apenas o trecho mais rentável.
O TCU considerou o plano “incompatível com o interesse público” e determinou que o governo optasse pela relicitação integral do contrato – decisão revelada em reportagem anterior do Correio do Estado.
A degradação da via permanente compromete o potencial logístico de Mato Grosso do Sul. Sem ferrovia em operação eficiente, o escoamento de minérios e grãos continua dependente do transporte rodoviário, mais caro e poluente.
Relatórios da ANTT alertam que a falta de manutenção compromete a integridade física dos bens públicos e representa “risco à segurança operacional e às comunidades lindeiras”, sobretudo nos trechos urbanos de Campo Grande, Três Lagoas e Corumbá.
**Colaborou Súzan Benites




