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Bolsa Família alimenta cassinos virtuais

Por Gregório José, jornalista, radialista e filósofo

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Ah, o Brasil, esse grande cassino tropical onde a aposta é a mais nova religião, e o dízimo não vai para a igreja, mas para as casas de apostas. Quem diria que o dinheiro destinado a salvar vidas, tirar famílias da pobreza e trazer um pouco de dignidade se transformaria em fichas virtuais e palpites furados? Sim, meus caros, o jogo virou – e não foi por sorte.

Antes criticavam o jogo do bicho, mas bicheiros mesmos viam centavos e poucos reais em prêmios pequenos. E mais, todos conheciam os bicheiros, até os policiais.

Agora, veja bem, o pobre cidadão que mal tem dinheiro para o feijão com arroz, mas sonha com o churrasco de picanha do fim de semana, encontrou uma solução mágica para todos os problemas: apostas on-line! É a nova loteria, só que com um toque de tecnologia e ilusão de controle. Esfregue o celular como quem esfrega uma lâmpada mágica e voilà, o gênio aparece prometendo prêmios milionários em troca de uns reais (ou centenas, dependendo da empolgação).

Mas não vamos culpar o apostador, coitado. Ele só está seguindo o manual de instruções da sobrevivência no Brasil: “Aposte porque trabalhar não adianta, reze porque estudar não vai te salvar”. Se o programa Bolsa Família foi criado para garantir o básico, as bets parecem ter descoberto que, na verdade, o básico é uma senha de Wi-Fi, um celular em dia e uns R$ 100 para jogar no Flamengo ganhando por 2 a 1.

E aí, o BC (não confundir com aquela velha sigla de Bom Coração) solta uma nota técnica que mais parece um bingo de estatísticas. Cinco milhões de chefes de família, aqueles que deveriam usar o dinheiro do governo para alimentar os filhos, mandaram via Pix R$ 3 bilhões para as bets no mês passado. Isso representa 20% do valor total repassado pelo programa. A propósito, já mandaram o troféu “Mãos Furadas 2024” para o Ministério da Fazenda?

Enquanto isso, o que os empresários de apostas fazem? Mandam agradecimentos silenciosos para o governo. “Obrigado pelo ‘Bolsa Bet’”, pensam eles, felizes da vida com os cofres transbordando. Quem diria, hein? O Pix foi a verdadeira revolução no País: democratizou o acesso ao endividamento!

E o mais engraçado – se não fosse trágico – é o perfil do apostador: jovem, com futuro promissor na carreira de “ganhador de apostas esportivas”. Apostam no que deveriam investir em comida e moradia, e se perdem nas promessas de fortuna fácil.

Afinal, quem precisa de escola ou saúde quando se pode sonhar com o jackpot?

E aí vem o senador Omar Aziz, preocupado com a saúde pública, tentando tirar as bets do ar. Azar o dele. Essas empresas já aprenderam a jogar o jogo: “Enquanto tem otário, a gente fatura”. Afinal, não se tira doce da boca de criança, ou melhor, do bolso dos desesperados.

Mas o que fica claro é que o País está em um jogo sem fim. De um lado, as promessas governamentais de dias melhores, de outro, as bets, oferecendo um atalho perigoso e ilusório. Mas como diz o ditado: “Quando a esmola é demais, o santo desconfia”. Mas e quando a esmola vira aposta? Aí, meu amigo, só resta o santo fazer uma fezinha também. Afinal, todos estão no mesmo barco furado, navegando nas águas turbulentas do “Brasil, País de apostadores”.

E antes que me acusem de pessimismo, digo: a aposta aqui é clara. O governo regulamenta, a renda vai para os impostos, e nós ficamos com a promessa de que, um dia, o Brasil vai deixar de ser o cassino da América Latina para se tornar... bom, talvez um parque de diversões. Quem sabe, com menos roleta e mais comida no prato.

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Cem anos da soja comercial no Brasil

Por Verônica Muccini Longhi, jornalista

25/09/2024 07h45

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Em novembro, Santa Rosa (RS) será palco de uma comemoração histórica: os 100 anos da soja comercial no Brasil. Mais que um evento, a Fenasoja, que é a maior feira multissetorial do País, será um marco para celebrar o legado da soja, desde a sua chegada até o seu papel transformador na economia, na agronomia e no aspecto social brasileiro. 

A Fenasoja ocorrerá de 29 de novembro a 8 de dezembro na cidade que já é considerada como o berço nacional da soja.
Embora haja registros históricos que apontam para cultivos experimentais de soja na Bahia já em 1882, foi em novembro de 1924 – com o grão trazido pelo pastor Albert Lehenbauer – que a soja é oficialmente introduzida no Rio Grande do Sul.

Naquele momento, era uma cultura quase desconhecida no Brasil, e sua introdução poderia ser considerada um experimento simples, pois o pastor doou as sementes que foram trazidas dos Estados Unidos em uma garrafa para seus vizinhos, com o objetivo de melhorar a renda de todos.

Com o tempo, a soja encontrou no solo fértil e no clima temperado do estado gaúcho o ambiente perfeito para se desenvolver. O sucesso inicial na Região Sul abriu caminho para que o grão se expandisse para outras regiões, e sua história de crescimento ganharia destaque em todo o Brasil.

Algumas datas posteriormente foram marcantes para a sojicultura brasileira. 

A primeira referência de produção comercial de soja no País data de 1941, com uma área cultivada de 640 hectares, produção de 450 toneladas e rendimento de 700 quilos por hectare (kg/ha). Já o primeiro registro internacional do Brasil como produtor de soja é de 1949, com uma produção de 25 mil toneladas. Outro fator de comemoração foi quando a produção de soja chegou à marca de 100 mil toneladas em meados da década de 1950. Na década seguinte, ela se estabeleceu definitivamente como cultura economicamente importante para o Brasil, passando de 206 mil toneladas em 1960 para 1.056.000 toneladas em 1969.

Em 1966, na cidade de Ibirubá, no norte do RS, iniciou-se a Operação Tatu, que tinha como objetivo recuperar, melhorar e incrementar a produtividade da agricultura no estado, especialmente por meio da análise e da recuperação da fertilidade dos solos. Com poucos resultados em Ibirubá, o projeto passou a ser executado em Santa Rosa e teve resultados mais rápidos e sucesso significativo. 

Apesar do crescimento da produção ao longo dos anos de 1960, foi na década de 1970 que a produção da soja teve importante impulso e se consolidou como a principal cultura do agronegócio nacional, passando de 1,5 milhão de toneladas para mais de 15 milhões de toneladas em 1979. Esse aumento ocorreu não apenas no crescimento da área cultivada – de 1,3 milhão para 8,8 milhões de hectares –, mas também com um expressivo incremento da produtividade, passando de 1.140 kg/ha para 1.730 kg/ha.

No fim dos anos 1970, mais de 80% da produção brasileira de soja ainda se concentrava nos três estados do Sul, embora o Cerrado sinalizasse que participaria como importante ator no processo produtivo da oleaginosa, o que efetivamente ocorreu a partir da década de 1980. 

Lá em 1970, menos de 2% da produção nacional foi colhida nessa região, tendo uma maior concentração em MS. Em 1980, essa produção passou para 20%, enquanto em 1990 já era superior a 40%. Já em 2007 superou os 60%, com tendência a ocupar maior espaço a cada nova safra.

O salto na produção no fim dos anos 1970 fez com que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) desse início ao acompanhamento da evolução do grão na safra 1976/1977. Naquele ciclo, a produção brasileira foi de 12,14 milhões de toneladas. Hoje, 100 anos depois, o Brasil se consolidou como o maior produtor e exportador mundial de soja, e a cidade de Santa Rosa se orgulha de ser o ponto de partida dessa transformação.

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O povo e o governo

Por Ives Gandra, advogado e professor

25/09/2024 07h30

Caminhos da vida

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Aristóteles dividia os governos em seis. Considerava o melhor deles – aquele dirigido por um homem bom só voltado para o povo – mais fácil de se encontrar em uma monarquia. 

O segundo seria o da aristocracia, com um grupo de homens dedicados a governar para a comunidade.

Já o terceiro melhor seria a politia (política), quando o povo se dedica a procurar o bem da coletividade na escolha de seus dirigentes, mais do que seu interesse pessoal. Politia vem de polis (cidade), pois a Grécia – desde os aqueus, dórios e jônios – era um conjunto de cidades-estado, que só se unificaram com os macedônios e com Alexandre Magno, o qual, de resto, foi discípulo do filósofo.

Enumerava, em seguida, os governos maus, sendo o menos ruim a democracia, governo do povo voltado para si mais do que para a comunidade. Demos, em grego, é povo. Depois vinha a plutocracia, um grupo de homens maus governando. Por fim, a pior das formas: a tirania.

Norberto Bobbio, quando proferiu uma série de palestras sobre as formas de governo, coletânea publicada pela Universidade de Brasília (UNB), realçou a importância da divisão de Aristóteles para a compreensão de uma teoria do poder, algo que – de forma mais modesta, embora mais abrangente – procurei esclarecer no meu livro “Uma Breve Teoria do Poder” (Resistência Cultural Editora), cuja quarta edição foi prefaciada por Michel Temer, tendo as anteriores sido apresentadas por Ney Prado e António Paim.

Por que trago essas considerações aos meus amigos leitores? É que me causou surpresa que, em relação ao desfile oficial do 7 de Setembro, a maior parte do trajeto percorrido pelo carro com o Presidente da República estava repleta de seguranças, mas sem o povo, apenas um pequeno número de pessoas perante o palanque oficial repleto de autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e do governo Lula, além do presidente do Senado e a ausência do presidente da Casa do Povo.

Enquanto a ausência popular se fazia notar em Brasília (DF), já a Avenida Paulista, em São Paulo (SP), estava completamente lotada por centenas de milhares de brasileiros, que mostravam seu descontentamento com a interferência permanente nos direitos individuais e na liberdade de expressão por parte do Pretório Excelso, pedindo medidas do Congresso para corrigir as distorções da aplicação da lei suprema, as quais entendiam fragilizar a democracia.

A escassez do povo no evento dos que se autointitulam defensores da democracia e a multidão de brasileiros na manifestação dos que se sentem perseguidos pelos pretendidos protetores democráticos que estão reescrevendo a Constituição promulgada pelos deputados constituintes de 1988 constituem, pelo menos, matéria para reflexão, principalmente agora em que se vê o povo que deu vitória a Gonzalez, em multidão nas ruas, e o sanguinário ditador do país se autoproclamando vencedor de uma eleição sem provas e sem gente nas ruas para lhe mostrar simpatia.

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