A Polícia Federal deu nesta sexta-feira, em Mato Grosso do Sul, uma prova de mudança de estratégia: agiu para prender os chefões do tráfico de cocaína, ao enquadrar os integrantes da Família Morinigo que ostentavam mansões, carros de luxo, iates e fazendas comprados com dinheiro do tráfico.
“Quando se investiga tráfico de drogas, não se vislumbra mais o viés da apreensão da droga. Fizemos isso durante décadas; não traz resultado”, comentou o delegado Elvis Secco, responsável pela Coordenadoria de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da Polícia Federal.
Na Operação Status, focada em desmantelar a quadrilha cujos chefões são Emídio Morinigo Ximénes e seus filhos Jéferson Garcia Morinigo e Kleber Garcia Morinigo, o tiro foi certeiro: foram bloqueados judicialmente aproximadamente R$ 230 milhões em bens móveis e imóveis no Brasil e mais de R$ 600 milhões em bens que eles mantinham no Paraguai.
A vida de luxo dos criminosos era sustentada porque eles mantinham distância de sua fonte de renda, que é o transporte de cocaína. Para a maioria dos que se relacionavam com eles, tratavam-se de empresários. Apesar de toda a ostentação, eram verdadeiros anônimos do tráfico.
CARRÕES
Em Campo Grande, o grupo ficou conhecido por ser dono de uma revenda de veículos – já desativada – na Avenida Eduardo Elias Zahran, a Classe A Motors. No início da década passada, o destaque da garagem era um Lamborghini Diablo, avaliado em mais de R$ 1 milhão e vendido posteriormente a um cantor sertanejo.
Nesta sexta-feira (11), uma outra revenda de veículos da família na capital de Mato Grosso do Sul foi fechada: a JV Veículos, localizada na Avenida Salgado Filho, que era operada pelo ex-gerente da Classe A, Slane Chagas.
Por falar em carrões, entre os itens apreendidos nesta sexta-feira em poder da quadrilha está um Lamborghini Aventador, avaliado em mais de R$ 2 milhões.
“O líder da organização não se aproxima da droga que é transportada”, resumiu o delegado que comandou a investigação, Lucas Vilela, chefe do Grupo de Investigações Sensíveis da Polícia Federal em Mato Grosso do Sul.
DUPLA SERTANEJA
A Família Morinigo não ostentava somente em Campo Grande. De acordo com a Polícia Federal, eles compraram duas fazendas em Barra do Garças (MT) e uma mansão que era registrada como um hotel turístico no Lago Manso, em Chapada dos Guimarães (MT), mas que funcionava como uma casa de campo da família.
Foi nesta mansão que, em 2017, eles trouxeram a dupla sertaneja Bruno & Marrone para tocar em uma festa de aniversário. O clã subiu ao palco e os cantores ainda saudaram as pessoas que vieram de Mato Grosso do Sul para prestigiar.
BUNKERS
Para bancar tanto luxo e ostentação, era preciso muita engenharia financeira para esconder a renda ilícita dos Morinigo. Se as fazendas e as revendas de carrões eram o álibi para justificar a origem do dinheiro que bancava a vida opulenta, era de doleiros no Paraguai e em Curitiba e em São Paulo que vinha o dinheiro do tráfico – que pagava as contas.
O delegado Vilela contou em entrevista coletiva que era tanto dinheiro que os serviçais da quadrilha alugavam imóveis em várias cidades para servir de “bunkers”. Estas casas e apartamentos ficam vazias e cheias de cédulas.
No Brasil, o dinheiro em espécie do tráfico era sacado em casas de câmbio localizadas em Curitiba (PR) e em São Paulo (SP). As cédulas depois eram depositadas em contas bancárias de empresas de fachada, que não tinham funcionários, eram registradas em nomes de laranjas e movimentavam milhões.
Estas empresas, por sua vez, eram a ponte para os outros laranjas e para os funcionários da quadrilha que operavam construtoras, lojas de veículos, fazendas e compra e venda de imóveis.
Com ajuda da Receita Federal, a equipe do delegado Vilela identificou a movimentação de nada menos que R$ 278 milhões pelo grupo. Isso somente no período compreendido entre 2016 e 2018. A Polícia Federal, contudo, acredita que o valor movimentado tenha sido ainda maior, por causa das movimentações em outros anos.
3 TONELADAS
A rede de traficantes comandada pela Família Morinigo, presa nesta sexta-feira, teve pelo menos 3 toneladas de cocaína apreendidas entre 2014 e 2020. Uma das características que os federais descobriram da quadrilha é que ela não desamparava seus homens e mulheres da linha de frente.
Conforme o delegado da Polícia Federal Lucas Vilela, a investigação detectou que as empresas de fachada da quadrilha faziam pagamentos mensais – com valores entre R$ 1,5 mil e R$ 2,5 mil por mês – a familiares de pessoas flagradas com droga e presas pelas polícias na rota da cocaína, que entrava no Brasil pela fronteira do Paraguai e seguia de Mato Grosso do Sul para o estado de São Paulo e portos do Oceano Atlântico.
Os irmãos Morinigo sabem o que é ficar preso. Em outubro de 2006, Kleber Garcia Morinigo e Jefferson Garcia Morinigo foram detidos pela Polícia Rodoviária Federal.
Na ocasião, eles davam cobertura a um homem que foi flagrado na BR-163, em Campo Grande, com três quilos de haxixe.
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