Teve também música de concerto, com a Orquestra Sinfônica de Campo Grande, na passagem do projeto Vivo Música por Campo Grande, no domingo
O tempo ajudou, não choveu, e o domingo de outono em Campo Grande foi de muito samba, ginga e emoção no Parque das Nações Indígenas, onde Xande de Pilares se apresentou como atração principal do projeto Vivo Música.
Além das canções do álbum “Xande Canta Caetano”, o sambista carioca mostrou ao público – estimado em 12 mil pessoas pela reportagem e em 15 mil pela organização do evento – parte do seu consagrado repertório, tanto quando esteve à frente do Grupo Revelação quanto da fase solo, a partir de 2014.
Em meio à maratona de apresentações que vem fazendo, no fôlego da turnê do álbum dedicado às composições de Caetano Veloso, que lançou em 2023 e com o qual conquistou dois Grammy em 2024 (Álbum do Ano e Melhor Álbum de Samba e Pagode), Xande parecia pleno e cheio de gás, apesar do cansaço.
Logo após uma breve e inspirada dobradinha com a Orquestra Sinfônica de Campo Grande, sob a regência do maestro Eduardo Martinelli, ele assumiu o palco, mandando ver – com precisão e muita ginga – em 15 temas do artista baiano. Na noite anterior, Caetano havia participado da gravação do show com o sambista no Rio de Janeiro (RJ).
Acompanhado de oito afiados instrumentistas e da backing vocal Karla Prietto (ex-As Sublimes, de grande sucesso nos anos 1990), o sambista abriu com “Muito Romântico”, “Luz do Sol” e “Qualquer Coisa”, todas no compasso percussivo que não esconde o ritmo de origem do intérprete, mas remetendo ao universo poético de Caetano com a personalidade que Xande empresta às canções, renovando um repertório tão certeiro quanto arriscado – e que poderia soar óbvio dada a grande popularidade do setlist –, com muitas delas coroadas pelo tempo como sucessos incontestes.
BAMBA DE PRIMEIRA
Mas a obviedade passou longe do palco. Melhor falar em escolhas acertadas, apuro técnico e um artista dono de si, talvez em seu auge, que contava ali com a adesão do público para si mesmo e para quem ele presta homenagem na atual turnê.
Caetano é paixão de longa data de Xande, desde quando – conforme disse ao público presente no Parque das Nações Indígenas – ele nem sabia que algumas músicas que adorava levam a assinatura do baiano.
Impressiona o modo como o sambista se apropria das canções “caetânicas”, imprimindo suas próprias nuances sem forçar a barra.
Embora seja bom de papo e mantenha uma comunicação fluente com o público, Xande mergulha em si mesmo ao cantar, muitas vezes de olhos fechados, parecendo buscar sempre o melhor tom, uma extensão a mais na voz – que ele tem de sobra – ou a forma mais precisa de entoar palavra. Também se dirige pouco aos integrantes de sua banda.
Na elegância sóbria de seu figurino, com chinelos brancos, medalhão no pescoço e uma simpatia marcada por comedimento, parece querer avisar que o que importa mesmo quando está em cena é a música.
Assim, de um jeito ímpar, o sambista de Pilares, na zona norte do Rio, que também passou pela Tijuca, por Rio Comprido e outros pontos da cidade, como o Morro do Andaraí, estabelece, aos 55 anos, a sua figura de bamba. Vozeirão grave, arranjos redondos – do mestre Pretinho da Serrinha – e muita, muita ginga de palco, com a devida cumplicidade da multidão que dançou e cantou junto praticamente durante o show inteiro.
Era um público diverso: jovens, adultos, de meia idade, casais, famílias, mas que pareciam contar com fãs – de Xande, de Caetano ou dos dois. Ou simplesmente quem gosta de um som bacana ao vivo no parque.
GAL E BETHÂNIA
Um bagunceiro de plantão, que insistia com gritos de “canta pagode”, levou um chega pra lá do sambista. “Não sabe beber, vai pra casa, pô”, bradou Xande para rapidamente retomar o espetáculo.
Em alguns momentos, dava a impressão de que a homenagem se estendia de Caetano para Maria Bethânia (“Reconvexo”) ou Gal Costa (“Luz do Sol”, “Ressuscita-me” e “Força Estranha”) pela repercussão da gravação dessas cantoras para algumas das composições escolhidas, mantendo – décadas a fio – um forte impacto e envolvimento.
O Caetano de Xande passa por várias fases da longa carreira empreendida do cantor e compositor nascido em Santo Amaro (BA), um dos mentores da tropicália, que sacudiu a música brasileira a partir de 1967 e que volta e meia ainda gera fagulhas em novos talentos: de “Alegria, Alegria” à (já no bis) “A Luz de Tieta”, passando por “Queixa”, “Tigresa”, “Trilhos Urbanos”, “Gente”, “Odara”, “Lua de São Jorge” e, entre outras, “Desde que o Samba É Samba”. No total, foram apresentadas 17 músicas de Caetano.
O show, com quase duas horas de duração, teve ainda homenagem a outro bamba, o sambista Arlindo Cruz, o qual, após um AVC, sofrido em 2017, retirou-se da música, “Salgueiro” e “Tá Escrito”, sucessos dos tempos de Xande no Revelação. E haja gogó e molejo aos milhares na plateia. Tempo firme e alma lavada para quem gosta de samba. Não é isso que importa?
SAMPRI E ORQUESTRA
O grupo Sampri, com 20 anos de carreira, abriu o Vivo Música, por volta das 17h30min, com uma homenagem a Gilberto Gil. “Andar com Fé” e “Toda Menina Baiana” iniciaram a apresentação, com o trio formado pelas irmãs Magally (cavaquinho e vocal), Luciana (pandeiro e vocal) e Renatinha (violão e vocal), todas nascidas em Campo Grande.
Elas também tocaram canções autorais, como “Deixe a Menina Sambar” e “Menino Travesso”, e grandes sucessos da música brasileira como “La Belle de Jour” (Alceu Valença) e “Só Quero um Xodó” (Dominguinhos). Elas são descendentes de uma família de sambistas e ritmistas de escolas de samba e, em 2002, fundaram esse que é o primeiro grupo de samba de Mato Grosso do Sul liderado por mulheres,
no qual todas cantam e tocam.
A Orquestra Sinfônica de Campo Grande, com regência do maestro Eduardo Martinelli, apresentou músicas eruditas como a “Dança Húngara” (Brahms), “Marcha Turca” e “Aleluia” (Mozart), além de árias como “O Sole Mio” e “La Donna È Mobile” (Verdi). A orquestra fez a sua estreia em 2007 e já se apresentou em países como Estados Unidos, Portugal, Itália, Coreia do Sul, Argentina, Suíça, Canadá, Paraguai, Bolívia e Uruguai.
Projeto Vivo Música
Show “Xande Canta Caetano” (repertório)
- “Muito Romântico”
- “Luz do Sol”
- “Qualquer Coisa”
- “Reconvexo”
- “Alegria, Alegria”
- “Queixa”
- “Trem das Cores”
- “Tigresa”
- “Trilhos Urbanos”
- “O Amor”
- “Diamante Verdadeiro”
- “Força Estranha”
- “Desde que o Samba É Samba”
- “Lua de São Jorge”
- “Odara”
- “Gente”
Bis:
- “A Luz de Tieta”
- “Coração Radiante”
- “Do Jeito que a Vida Quer”
- “Deixa Acontecer”
- “Salgueiro”
- “Tá Escrito”
Banda
- Juan Anjos – Cavaco
- Marcelo dos Santos Souza (Minius) – Violão
- Igor Torres – Violão 7 cordas
- William Oliveira – Baixo
- Francisco Silva – Sopro
- Quininho – Tantan
- Didão – Surdo
- Larissa Umaytá – Pandeiro
- Karla Prietto – Backing vocal
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