Artigos e Opinião

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Daniel Medeiros: "O tempo"

Doutor em Educação Histórica pela UFPR

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Quando eu nasci, ter a idade que tenho agora – 55 anos – era já ser velho. No Império Romano, vivia-se, em média, 30 anos. Quando aprendi sobre isso na escola, eu tinha por volta de 15 anos e pensava que, se fosse comigo, viveria ainda mais uma outra metade de vida. Mas a ciência desfez minhas ilusões de chegar aos 30 e morrer de velho. Hoje, se digo a alguém que sou velho, sou repreendido, como se eu tivesse dito algo muito errado, algo como um “pra mim fazer”. Na Itália, aumentaram a idade para dizer que alguém é velho. Pra ser velho por lá, tem de ralar mais. No Japão, ou em alguma parte do Japão, muitas pessoas passam dos 100. Haja esforço pra tudo isso.

Acompanho jovens há muitos anos, desde quando eu mesmo era apenas um pouco menos jovem do que eles. E uma das coisas que sempre me chamou atenção é como o tempo é um enorme tormento para eles. Os dias são longuíssimos, as manhãs começam muito cedo e não acabam nunca, as tardes são cheias de sono e as noites repletas de limitações. Sempre que podem, o que é quase sempre,  eles, os jovens, estão cansados e sonolentos. Nas filas dos aeroportos, enquanto em geral os mais velhos enfrentam resignados as longas e intermináveis filas, os jovens se esponjam pelo chão, os olhares esgazeados como se estivessem sem ar. Vivem a exata experiência da materialização do tempo, o lento e incessante passar de sua procissão de segundos, minutos, horas.

E como nossas convenções atribuem pouco valor de decisão aos jovens e há uma série de vedações legais, só o tempo – esse algoz – pode libertá-los para a vida adulta. E, no entanto, quando ela chega, traz consigo, quase sempre, por causa do trabalho, da família, dos impostos, o sequestro desse mesmo tempo antes tão abundante – e o fardo é repaginado, agora com as cores do relógio de ponto. E passamos então o tempo todo sonhando com o tempo em que não teremos nada para fazer, como quando se era jovem, só que agora com a compreensão de que aquele tempo todo era ouro puro e trocamos por balinhas de menta. Como diria o Pessoa, “raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”.

Outra coisa ainda é o tempo do desemprego, o tempo da doença, ou da dor. Esse tempo traz consigo o desejo de não existir, de que tudo se extingua. E quando ele passa, a volta da rotina é tola e alegremente comemorada. Até que ela, por sua vez, vire rotina de novo. E, mais uma vez, queremos que passe, passe. E quando passa, queremos que pare, pare, como um delírio, uma fome que não há comida que cesse.

O tempo é tão igual, monocórdio, que marcamos, ao longo dele, alguns momentos para lembrarmos que estamos aqui, existimos, temos alguma concretude. É o que chamamos de eventos: o aniversário, o fim do ano, as bodas de amor ou de trabalho, a data da viagem que queremos inesquecível. Nessas datas, declaramos uma espécie de grito de guerra contra a pasmaceira do tempo, sua insensibilidade com o fato de que somos nós que fazemos as coisas acontecerem, caramba! Dizemos: hoje é um grande dia. Hoje é uma data única! O tempo, bom, o tempo nem olha ou se importa com esse barulho todo, não se apressa nem se atrasa. Segue, segue, sem rumo ou propósito.

Heráclito, que já entre os gregos era conhecido como “o obscuro”, dizia que tudo é mudança. “Só há o devir”. Tudo flui. E é só isso. Sem objetivos ou finalidades. Como estar sobre a corda bamba. Se você conseguir se equilibrar, fica feliz, entusiasmado. Até perceber que é só isso. Não há mais nada para fazer ali. E o precário equilíbrio torna-se a melhor situação quando a outra alternativa é cair da corda.

Por isso, talvez, os antigos afirmassem que o que há para fazer no tempo é realizar feitos para que seu nome não seja esquecido. Não é possível parar o passar dos anos, mas é possível imprimir nele marcas reconhecíveis pelos que virão. Tipo dar um duplo mortal carpado sobre a corda bamba e ficar ali, congelado, com um sorriso no rosto para a foto que restará. É o que se chamava de “glória”. Para os que não a conseguiam, a morte não era o pior: o pior era o esquecimento. O corpo, desfeito no Letes, liquefeito, liquidado. O inferno para os antigos não era arder, era dissipar-se na memória dos vivos.

Penso que devo o fato de estar vivo – apesar de velho – ao que outras pessoas fizeram no mundo nesse tempo todo. Melhoraram a qualidade das águas, dos alimentos, dos remédios, do trabalho, das condições gerais de vida. Remando contra a maré nostálgica, aceito o que afirma Steven Pinker: vivemos o melhor dos tempos. Não me imagino sem a anestesia, antibiótico, ar-condicionado, sem o elevador, sem o zíper, ou o Band-Aid, sem o FaceTime, ou as entregas de comida em casa. Por isso, creio que meu tempo extra deve-se a essas pessoas e busco encontrar formas de compensá-las, tentando ser uma pessoa com alguma contribuição pública minimamente relevante.

Acredito que os gregos, quando falavam em glória, imaginavam algo assim. Para fazer valer esse tempo todo que a gente passa por aqui, na maior parte tempo sem utilidade ou graça, tem de realizar algo inesquecível. Como lembrou a mulher de Leônidas, antes de ele enfrentar os persas em Termópilas, ao lhe entregar o escudo com o símbolo de Esparta: “Volte com ele ou sobre ele”.

É isso. A vida é esse mar de tempo e umas pequeninas ilhas de glória espalhadas. A vida vale a pena para quem chegar ao maior número dessas ilhotas e deixar algo lá que torne a vida do próximo melhor e mais fácil. Algo que faça com que lembrem sempre o quanto o tempo seria ainda mais longo, cansativo e doloroso se não fosse a dedicação dessas pessoas.

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O papel da IA no bem-estar moderno

21/03/2025 07h45

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Os últimos anos foram marcados por transformações em várias esferas da sociedade, e um dos conceitos que mais mudou e ganhou novos significados foi o de bem-estar. Se antes ele era relacionado principalmente com a saúde mental e física, hoje em dia já abrange diversos outros fatores, como qualidade de vida, equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, segurança e experiências personalizadas.

Esse cenário levou ao crescimento da economia do bem-estar, que, segundo dados do Global Wellness Institute (GWI), alcançou US$ 6,3 trilhões em 2023, montante 25% maior do que o valor avaliado em 2019 (US$ 4,9 trilhões). Para 2028, a expectativa é que o setor chegue a US$ 8,9 trilhões, o que reforça como essa pauta já é uma forte tendência.

Porém, vale destacar que os avanços nesse mercado foram possíveis, entre outros fatores, por conta da evolução da tecnologia, que ampliou o acesso a soluções inovadoras, otimizou processos e possibilitou a personalização do bem-estar de acordo com as necessidades individuais. Nesse contexto, a inteligência artificial (IA) tem desempenhado um papel fundamental, contribuindo ainda mais para que o bem-estar seja mais acessível e flexível.

Temos diversos exemplos que comprovam como as soluções inovadoras trazidas pela popularização da IA impactam diretamente o autocuidado e a forma como interagimos com o mundo: no setor da saúde, startups brasileiras como a Pipo Saúde utilizam a tecnologia para oferecer suporte a diagnósticos e otimizar o atendimento médico, permitindo que milhões de pessoas tenham acesso a serviços de saúde de forma mais eficiente. O bem-estar emocional também foi impulsionado com soluções como a da Vittude, uma plataforma que conecta pacientes a psicólogos por meio de IA, democratizando o acesso a cuidados mentais.

No que diz respeito ao bem-estar corporativo, ferramentas desenvolvidas por empresas como a Gupy ajudam organizações a monitorar o nível de satisfação dos funcionários e sugerem ações para melhorar o ambiente de trabalho, reduzindo o estresse e, consequentemente, aumentando a produtividade.

Outro exemplo do impacto positivo da IA no bem-estar moderno está na personalização do entretenimento, com plataformas como Spotify e Netflix, que usam IA para sugerir conteúdos que correspondem aos interesses do usuário, e do aprendizado, com ferramentas como o Duolingo, que usam IA para personalizar o ensino, tornando essa jornada mais eficaz e menos desgastante para os estudantes.

Acredito que essa tendência de sofisticação das tecnologias baseadas em IA vai tornar a busca pelo bem-estar completo ainda mais fácil. Desde aplicativos que monitoram padrões de sono e alimentação a assistentes virtuais que ajudam a gerenciar tarefas cotidianas, é fato que a tecnologia seguirá transformando a forma como cuidamos do nosso corpo, mente e relações.

Porém, não podemos esquecer que o segredo para o uso eficaz da IA nesse contexto inclui necessariamente o desenvolvimento ético dessas tecnologias, para que sejam seguras, inclusivas e realmente focadas no bem-estar humano.

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Financiamento rural e a reforma tributária

21/03/2025 07h15

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Os Fiagros são os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais. Criados em 2021, são ativos de investimento do agronegócio, seja de natureza imobiliária rural, seja de atividades relacionadas ao setor. O Fiagro acabou se tornando uma fonte alternativa de financiamento para o produtor rural, de modo a não depender exclusivamente dos bancos e do Plano Safra.

Entretanto, em janeiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a reforma tributária, mas vetou trechos que previam a isenção de tributos para os Fiagros e para os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs). Esses trechos isentariam tais fundos da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

A justificativa do governo para o veto foi a ausência de autorização constitucional para que esses fundos não fossem considerados contribuintes do IBS e da CBS. Isso pode impactar diretamente o crédito para os produtores rurais. É uma insensatez e ilógico o que o presidente fez.

Os Fiagros são fundos em que as pessoas podem investir e que funcionam como fontes de financiamento para o agronegócio. No mundo inteiro, os fundos já são mais representativos do que os bancos. Esse tipo de fundo tem crescido bastante, pois permite também que investidores urbanos participem do setor agroindustrial, aproveitando o potencial do agronegócio brasileiro.

O Brasil conta com cinco grandes bancos e cooperativas de crédito, além de seis linhas de crédito disponíveis para o agronegócio. Há também o Plano Safra, que atende apenas uma pequena parte da produção. Dessa forma, os agricultores ficam nas mãos desses bancos e frequentemente enfrentam desafios para a concessão de crédito, tornando-se dependentes das instituições financeiras, que impõem taxas, garantias e burocracias muitas vezes incompatíveis com a realidade do setor.

Prova maior da importância de financiamentos alternativos é a notícia da suspensão do Plano Safra. O Tesouro Nacional decidiu suspender novas contratações dessas linhas de financiamento 2024-2025. A medida vale a partir de 21 de fevereiro. O governo, sempre correndo para remediar em vez de prevenir, editou a MP nº 1.289/2025, liberando 4,17 bilhões para conter a pressão do segmento. Ainda assim, é insuficiente para o que o setor demanda de fomento. 

Os fundos representam um novo universo, uma nova possibilidade de financiamento com juros menores, pois, muitas vezes, esse capital vem do exterior. Os investidores estrangeiros não estão acostumados com os juros elevados do Brasil e, portanto, taxas mais baixas já são atrativas para eles. O Fiagro é exatamente isso: uma fonte de financiamento. Além de financiar o campo, atualmente beneficia cerca de 600 mil investidores.

No momento, o Fiagro só paga imposto se houver mais de 100 cotistas no fundo, não sendo tributado pelo Imposto de Renda. Caso tenha menos de 100 cotistas, há a incidência de 15% de Imposto de Renda, cobrado apenas no momento do resgate do resultado pelo cotista. Além disso, o Fundo não paga PIS, Cofins ou ISS. Contudo, com esse veto presidencial, os Fiagros passarão a pagar os tributos previstos na reforma tributária, especificamente o IBS e a CBS. Isso significa uma alíquota de até 28,5%, o que inviabilizará completamente esses fundos.

É importante lembrar que a logística no Brasil é muito cara, os produtores gastam muito com transporte, e os custos trabalhistas e tributários são elevados. Agora, o governo tenta transferir mais essa responsabilidade para o produtor. Vale ressaltar, mais uma vez, que quanto mais difícil for a vida do produtor, mais difícil será a vida do consumidor, que verá o impacto nos preços dos produtos agropecuários nas prateleiras dos supermercados.

A nossa expectativa é que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) manifeste firmemente sua discordância com o veto e atue no Congresso para derrubá-lo. A tributação desses fundos compromete a competitividade do setor, aumenta os custos para os produtores, reduz a oferta de crédito no agronegócio e, por consequência, eleva os preços dos alimentos para o consumidor final.

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