Artigos e Opinião

Editorial

Quando a esperança pede uma pausa

A história da Malha Oeste não precisa terminar no abandono, mas também não pode continuar sendo contada apenas com promessas

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Em certos momentos, parar para ajustar a esperança não é desistir, mas uma escolha prudente diante da realidade. Refrear expectativas é um gesto de maturidade coletiva, sobretudo quando se trata de políticas públicas e infraestrutura. É dessa pausa que falamos quando olhamos para o caso da Malha Oeste, ferrovia que atravessa Mato Grosso do Sul de leste a oeste e que há décadas vive em estado de abandono, sob uma concessão que pouco contribuiu para o desenvolvimento que dela se esperava.

A Rumo, atual concessionária, praticamente sucateou a estrutura da Malha Oeste. A inércia foi tamanha que, agora, o governo tenta encaminhar a relicitação da ferrovia, na tentativa de atrair novos investimentos.

Porém, sejamos francos: o trem das grandes expectativas já passa e está passando. Depois que passar, talvez ele nem volte a apitar na mesma estação. O tempo perdido foi demais. As promessas vazias, numerosas. A hesitação custou caro.

Enquanto se aguardava um plano concreto de revitalização, as empresas que poderiam justificar economicamente a reativação da ferrovia seguiram outro rumo. Literalmente. Projetos logísticos começaram a ser traçados de forma independente, como o leitor verá em outras matérias desta edição. Essa movimentação revela que o setor produtivo já não deposita confiança no futuro da Malha Oeste.

Não se trata apenas de frustração com a concessionária. A situação se agrava porque a mesma empresa que negligenciou a Malha Oeste opera, com rentabilidade e eficiência, uma ferrovia no norte do Estado. E é justamente para essa rota que as gigantes da celulose começam a voltar seus esforços logísticos, seja por trilhos ou por rodovias. O efeito dominó é claro: a Malha Oeste vai ficando para trás, esquecida nas margens da história e da competitividade.

Essa tendência é reforçada por uma conjuntura nacional nada favorável. O investimento público em infraestrutura, que já foi motor de desenvolvimento, hoje é cada vez mais raro. Os recursos mínguam e o governo federal parece mais preocupado em alimentar uma máquina pesada e ineficiente. A prioridade, ao que tudo indica, são as emendas parlamentares paroquiais, moeda de troca política que pouco ou nada contribui para transformar realidades estruturais como a da ferrovia sul-mato-grossense.

É por isso que, ao falarmos da Malha Oeste, talvez o mais honesto seja, sim, pausar. Esperar menos para sofrer menos. Não se trata de desistir de lutar por desenvolvimento ou pela reativação dos trilhos, mas de entender que, sem mudanças estruturais, tanto na forma de concessionar quanto de investir, qualquer nova esperança poderá ser apenas mais um vagão vazio passando em vão.

Cabe à sociedade civil, aos empresários e aos líderes políticos pressionar por modelos viáveis e sustentáveis. A história da Malha Oeste não precisa terminar no abandono, mas também não pode continuar sendo contada apenas com promessas. Nesse momento, a pausa na esperança pode ser o primeiro passo para, quem sabe, reconstruí-la com mais responsabilidade e realismo.

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Editorial

Onde está o Procon de Mato Grosso do Sul?

Eis o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos e isso já ocorreu um dia

10/06/2025 07h15

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Em tempos recentes, não era incomum ver equipes da Secretaria-Executiva de Orientação e Defesa do Consumidor de Mato Grosso do Sul (Procon-MS) atuando nas ruas, acompanhando de perto a oscilação nos preços dos combustíveis e fiscalizando os postos. Era um trabalho visível, ativo e que representava um alento para os consumidores, historicamente vulneráveis diante de reajustes pouco transparentes e, por vezes, abusivos. 

A simples presença dos fiscais representava um freio à esperteza de quem tentava lucrar à custa do desrespeito ao direito do consumidor.

Mas esse tempo, infelizmente, parece ter ficado para trás. O que se observa hoje é a volta de uma rotina mais familiar à máquina pública brasileira: a lentidão, a morosidade e o desinteresse. A ausência do Procon-MS nas ruas é notável, e a sua omissão diante das recentes variações nos preços dos combustíveis levanta dúvidas legítimas sobre a continuidade e o comprometimento de sua atuação. A fiscalização sumiu, 
e com ela parte da confiança do cidadão.

Recentemente, conforme reportado nesta edição, houve duas reduções no preço da gasolina em nível nacional. No entanto, os consumidores sul-mato-grossenses não sentiram nenhum alívio no bolso – a queda não foi repassada às bombas. E o que é pior: tudo indica que o benefício da redução foi embolsado por distribuidoras e proprietários de postos. Trata-se de uma manobra silenciosa, mas escandalosa, que prejudica milhares de motoristas e trabalhadores diariamente.

Nesse cenário, resta ao cidadão a ingrata tarefa de se proteger como pode. Pesquisar preços, buscar o posto mais em conta, tentar fazer valer cada centavo gasto – essa é a única arma à disposição do consumidor comum. Embora importante, essa estratégia individual não substitui a ação do Estado, que tem instrumentos legais e institucionais para coibir abusos de forma estruturada e eficaz.

O que não se entende é por que essas ferramentas não estão sendo utilizadas. O Procon, órgão criado justamente para proteger o consumidor e fiscalizar o cumprimento das normas de defesa do consumidor, permanece inerte diante de uma situação que deveria mobilizá-lo com urgência. A omissão, nesse caso, tem consequências práticas e econômicas diretas na vida da população.

O Estado conta com meios de investigar margens de lucro, verificar notas fiscais, exigir transparência nas planilhas de custos e impor sanções quando necessário. E é esse o papel esperado de um Procon ativo: não apenas educar, mas também fiscalizar e punir quando houver abusos. Ignorar essa missão é abrir mão de proteger o cidadão em um dos setores mais sensíveis da economia.

Afinal, a pergunta que se impõe é simples e direta: onde está o Procon-MS? Diante de aumentos injustificados e reduções não repassadas, o silêncio do órgão não pode mais ser tolerado. A população merece respostas – e mais que isso, merece ação.

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ARTIGOS

Violência policial: a necessidade de desmilitarizar o discurso, e não a farda

06/06/2025 07h45

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Compreender a violência policial como fator intimamente ligado à militarização é, no mínimo, um equívoco teórico e um risco prático. A lógica que busca explicar a truculência de determinados (e poucos) agentes da segurança pública apenas pelo modelo organizacional das Polícias Militares (PMs) ignora variáveis mais complexas – e por isso mesmo mais relevantes – para se compreender o fenômeno.

A violência institucional, infelizmente, não é um monopólio de estruturas militares. Casos emblemáticos nos Estados Unidos, por exemplo, protagonizados por corporações civis uniformizadas, mas não militarizadas – como o Los Angeles Police Department (LAPD) –, evidenciam que o problema transcende o modelo. O episódio de Rodney King, em 1992, severamente agredido por policiais em LA, é ilustração contundente dessa constatação.

A meu ver, a raiz da violência policial pode ter múltiplos fatores: cultura institucional autoritária, falhas estruturais de formação, precarização das condições de trabalho e ausência de mecanismos eficientes de responsabilização. A hierarquia rígida da PM pode sim contribuir para a reprodução interna de abusos, mas fenômenos semelhantes também ocorrem em órgãos civis nos quais, não raramente, o assédio institucional se faz presente e, portanto, se reproduz para além do ambiente interno.

Não podemos nos esquecer que policiais no Brasil, de qualquer carreira (da Polícia Civil à Militar, da Federal à Rodoviária), enfrentam jornadas exaustivas, baixos salários (sobretudo em São Paulo, coincidentemente e curiosamente o estado mais rico do País), falta de equipamentos modernos e treinamento deficitário. Soma-se a isso uma formação, muitas vezes, voltada prioritariamente ao confronto, e não à mediação – o que amplifica o risco de condutas abusivas. Decidir não atirar, afinal, é tão desgastante e estrategicamente complexo do que optar em apertar o gatilho.

Soluções para isso tudo existem – e não são poucas. Contudo, passam longe da simplificação. Reestruturar a formação, valorizar os vencimentos e modernizar os currículos com foco em direitos humanos e na tutela coletiva eficaz dos interesses da sociedade, levando em consideração – de modo preponderante – o ser humano policial, podem ser algumas delas.

Ampliar o uso de tecnologias de controle (como as câmeras corporais) e garantir corregedorias fortalecidas e independentes também são medidas fundamentais para reduzir a violência estatal no País, sem que, para tanto, tenhamos que demonizar corporações inteiras em consequência apenas de sua gênese. Muito pelo contrário: é possível implementar políticas públicas de combate ao crime muito eficazes, tendo como premissa os sagrados valores da hierarquia e da disciplina, inerentes à instituição militar.

O debate sério sobre segurança pública no Brasil não se faz com slogans. É necessário abandonar o conforto das teses fáceis e enfrentar a complexidade dos fatos. Dessa forma, desmilitarizar o discurso é bem mais urgente, neste momento, do que desmilitarizar a farda. Não é o momento de adotarmos posturas simplistas e flagrantemente oportunistas.

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