Com a família fui de Florianópolis (SC) a Bonito (MS), para visitar a natureza local. Após dois dias de viagem, sufocados entre enormes monoculturas de soja e cana, finalmente respiramos um pouco, pois, como todos sabem, há na região muitas reservas particulares de patrimônio natural (RPPNs); um pouco mais de mata ciliar e rios ainda ricos em peixes; florestas secundárias esparsas aqui e acolá, onde veem-se, ainda, alguns animais silvestres como as famosas araras vermelhas; e pelo menos uma unidade de conservação pública federal de proteção integral, o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, além da reserva indígena dos Kadiweu, com seus 530.000 hectares. Por vício de profissão quisemos visitar a única unidade de conservação federal de proteção integral em Mato Grosso do Sul (segundo dados do ICMBio, disponíveis em seu site), o Parque Nacional da Serra da Bodoquena, criado há 10 anos, com 76.000 hectares que evidentemente, como muitos outros, ainda não foi implantado, nem totalmente desapropriado. Não sei por que insisto em visitar parques nacionais! São só problemas e mais problemas! Até as fazendas já desapropriadas pelo Poder Público continuam com gado dentro e sendo tranquilamente usadas pelos antigos proprietários, que não deixarão de pedir em breve uma nova desapropriação. O Poder Público, com grande, mas insuficiente esforço, apenas desapropriou pouco mais de 11% daquela unidade de conservação. O Parque tem poucos amigos e muitos inimigos. Os amigos são apenas os poucos que pensam no futuro, dentre eles os funcionários encarregados da sua defesa no campo. Os inimigos são todos os outros, principalmente os ruralistas locais concentrados na Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), que não param de atacar o Parque desde o momento de seu decreto de criação. Mas, até alguns comerciantes do ecoturismo estão, velada ou abertamente, contra, uma vez que acreditam que de portas abertas para o público o Parque seria um sério competidor. Mas a Famasul é um caso à parte. Deu início à sua luta com uma ação direta de inconstitucionalidade quando da criação do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, que não prosperou, e segue com todas as ações possíveis para atrapalhar a implantação da unidade de conservação. Até contestaram a própria existência do Parque alegando junto ao Poder Judiciário, a caducidade do decreto de criação do Parque Nacional. Como se o decreto de criação de Parque Nacional caducasse! De acordo com nossa Constituição – artigo 225 §1º, incisos I, II, III e IV um Parque Nacional só pode ser extinto por Lei. É só conferir. O que caduca é o decreto de desapropriação, que tem validade de 5 anos. De fato, na vigência do decreto de desapropriação por utilidade pública, não se desapropriou o conjunto das terras particulares do Parque. Apenas poucas fazendas foram adquiridas pelo Poder Público e, como já mencionado, continuam a ser exploradas pelos antigos proprietários pela falta de ação do ICMBio. Mas o governo federal pode, após um lapso de um ano da caducidade do decreto de desapropriação, que, volto a repetir, tem validade de 5 anos, fazer nova edição do mesmo ato. E assim sucessivamente até completar a desapropriação de toda área da unidade. Ou seja, a qualquer momento, o senhor Presidente da República pode promulgar outro decreto para a necessária desapropriação das terras dessa unidade de conservação, o que deveria fazer rapidamente em benefício do que é único Parque Nacional do Estado de Mato Grosso do Sul. Deveria ainda implementá-lo enquanto é tempo, antes que os ruralistas desafetos do Parque Nacional acabem por matá-lo, conseguindo de forma espúria a destruição de sua natureza até a extinção. Os ruralistas da Famasul querem fazer crer a todos que o decreto de criação do Parque caducou. Mentira! E todos os advogados e juízes devem saber disso. De tão atrasados e antidemocráticos, esses ruralistas atacaram agora a instalação do Conselho Consultivo do parque, conseguindo evitar sua instalação através de uma liminar do judiciário. Importante dizer que isso não impede em nada a implementação da unidade pelo poder executivo. Os Conselhos Consultivos são previstos pelo artigo 29 da Lei Nº 9985 de 2000, a conhecida lei que estabelece o sistema de unidades de conservação do país (SNUC) e têm a função de garantir a participação dos setores da sociedade envolvidos com a unidade de conservação. Impedir- se, através de uma liminar, o funcionamento do Conselho Consultivo só evitará que o processo de gestão da unidade seja mais transparente, participativo e democrático. Mas, o assunto é preocupante, pois pela primeira vez tal fato ocorreu no Brasil. É uma decisão totalmente incongruente e que atenta de modo flagrante contra uma lei. Porém, decisão contrária, determinação judicial tem de ser obedecida. Nesta ação os ruralistas deram um tiro no próprio pé, porque com isso eles não podem nem mesmo “palpitar” sobre o plano de manejo e forma de implementação da unidade. Só que também impedem que outros interesses sociais e econômicos legítimos, como aqueles do setor turístico, da academia ou da sociedade civil, participem da gestão da unidade de conservação. O melhor que fariam para eles próprios e para o Parque Nacional seria lutar por emendas orçamentárias para a desapropriação de suas terras (com isso resolveriam o maior problema que os afeta); ou ainda agir via ação de desapropriação indireta (para atingir o mesmo fim) e, ainda, pela efetiva implementação da área, que gera benefícios locais que se expandem para toda a sociedade. Mas não, esses ruralistas são do velho lema do “quanto pior melhor”. O Parque Nacional da Serra da Bodoquena é a única e mínima porção mais ou menos natural que está protegida pela União na região. A destruição que o agrobusiness, provocou em Mato Grosso do Sul é assustadora, única, feia e, pior, contou com suporte e subsídios pagos por todos nós cidadãos deste país. O mínimo que a Famasul deveria fazer, depois do setor que representa tanto destruir, seria lutar pela implantação do Parque Nacional. E também deveria lutar pela desapropriação das terras que alguns dos seus integrantes alegam possuir. Pelo contrário, pelo visto, preferem eliminar as poucas árvores que não conseguiram tirar antes que o Parque fosse estabelecido e concluir a destruição do lugar. Esse pequeníssimo Parque é, com exceção da terra dos Kadiweus e de umas poucas e pequenas áreas protegidas estaduais ou particulares, tudo o que ficou da outrora portentosa natureza desse grande Estado. Nem isso parece resistir à ambição desmedida de alguns fazendeiros sem escrúpulos, nem vergonha. Onde está o Governo Federal? Por que esse Parque, inclusive os poucos setores desapropriados ainda não tem infraestrutura de visitação? Que espera o instituto “Chico Mendes” de Conservação da Biodiversidade para fazer algo mais que abandonar alguns funcionários no lugar, sem autoridade, nem autonomia para resolver os problemas? Será que não é óbvio para as autoridades federais que é muito urgente, urgentíssimo proteger esse último resquício da natureza de Mato Grosso do Sul onde se concentra a diversidade biológica que o Brasil requererá mais cedo do que tarde?