Era menos comum, nos anos 1980, filmes que tematizavam personagens da terceira idade modernosos e com sede de aventura. Mas “Cocoon” (1985), do diretor Ron Howard – o mesmo de “Uma Mente Brilhante” (2001), “O Código Da Vinci” (2006) e “Era Uma Vez Um Sonho” (2020) –, causou sensação ao apresentar uma turma de aposentados da Flórida que ganha um sopro de vida, e muita animação, quando descobre a fonte da juventude na piscina de uma casa abandonada.
Em Campo Grande, longe da ficção, no mundo real dos integrantes do projeto Ativa Idade, a garra e o entusiasmo de quem já passou dos 60 anos parece ser uma rotina. Iniciativa da Fundação Manoel de Barros (FMB), o projeto foi criado em 2013, com o objetivo de promover a autoestima e a autoconfiança da pessoa idosa.
A ideia é estimular uma atuação mais participativa na sociedade e no ambiente familiar.
Para manter seus 92 participantes inscritos com a motivação lá em cima, incentivar a saúde e o bem-estar, o Ativa Idade oferece gratuitamente aulas de dança e ginástica, informática, canto, pilates e tai chi chuan, além de rodas de conversa, passeios, dinâmicas e oficinas com profissionais de diversas áreas.
A montagem “Chegamos no Amanhã”, apresentada no Teatro Glauce Rocha, na quarta-feira da semana passada, mostrou parte do resultado desse trabalho aos familiares, colaboradores e parceiros do projeto, além do público em geral. Quarenta idosos que participam das aulas de dança e de canto encantaram a plateia em uma noite marcada por muita emoção.
A apresentação simbolizou o encerramento das atividades deste ano. Com sorrisos largos, olhares vibrantes e uma energia contagiante, o elenco deu um show de vitalidade e de alegria, mostrando que, quando não se transforma a idade em obstáculo, a felicidade pode estar logo ali.
DANÇANDO A VIDA
Já pensou um grupo de veteranos da vida requebrando ao som de “Saúde” (Rita Lee) – aquela que diz “Não quero luxo/nem lixo/meu sonho é ser imortal” – ou de “Girls Just Want to Have Fun” (Cyndi Lauper) – na tradução, “garotas só querem curtir”? Pois foi o que a trupe, formada por uma maioria de mulheres, mostrou.
“Dançar é tornar a vida mais leve, mais colorida, cheia de graça e de beleza. Quando danço, eu mergulho na poesia e aí, nesse momento, posso reencontrar o meu viver. Isso é a dança, exercitar os movimentos. É uma magia, é um mundo colorido, é muito bom dançar”, declara Elzita Cortez, de 77 anos.
“Dançar, além do movimento, é extravasar e expor meu sentimento. Dependendo da música, é relembrar um momento de amor que eu vivi. Enfim, dançar é sentir a vida”, afirma Avelina Gonçalves da Costa, de 68 anos.
“Um dos maiores desafios que vejo nas minhas aulas é a pessoa idosa superar as limitações do próprio corpo por consequência da idade”, diz a professora de dança Rosângela Lupi, responsável pelas turmas da modalidade no projeto da FMB.
“A dança é uma atividade física que pode trazer vários benefícios para a pessoa idosa: melhora o condicionamento físico, a mobilidade, o equilíbrio, a coordenação motora e a agilidade, promove o fortalecimento dos músculos, combate a depressão, aumenta a autoestima, estimula a memória com as coreografias e promove a socialização e a qualidade de vida”, lista Rosângela.
“VOVÓ, TE AMO”
Aos gritos de “vovó, te amo”, a vovó Eliene Ferreira Andrade Teruya, de 65 anos, era uma das mais animadas nas apresentações de dança: “Essa noite foi um sonho, porque depois de dois anos de pandemia é, assim, uma vitória estarmos vivos”, afirma Eliene.
“O tema ‘Chegamos no Amanhã’ foi muito bonito. O amanhã é hoje, é aqui e agora. Acho que temos que celebrar a vida todos os dias, e lá na fundação a gente vê isso todos os dias”, comemora. A filha de Eliene, a advogada Aline Teruya, ficou tocada ao ver a mãe cantando e dançando.
“Achei o espetáculo lindo, maravilhoso, é encantador ver o trabalho realizado com todos os idosos, dá para ver que a equipe coloca a alma, o coração. Dá para ver o amor que envolve todo esse projeto no carinho de cada detalhe dessa apresentação. Foi maravilhoso ver minha mãe no palco, uma inspiração. Se eu conseguir chegar na mesma idade sendo metade dela, para mim está ótimo”, diz Aline, sem parar de sorrir.
“ME RENOVO”
“Dançar é alegria, expandir aquilo que a gente tem guardado dentro do coração. Algo que a gente nunca fazia, nunca pôde fazer e, hoje, a gente faz. Para mim, isso é alegria. Participar de um espetáculo tão maravilhoso como esse, como nunca participei e, hoje, na minha idade, estar participando é felicidade, é alegria”, define Inocência Robaldo Guedes, de 79 anos.
“Eu me renovo, renovo a minha vida, ainda mais sabendo que a minha família está ali, assistindo”, empolga-se dona Inocência.
Além da dança, ela também mostrou sua voz doce e suave nas apresentações do coral, conduzidas pelo professor de canto Marcos Alves. “Foi maravilhoso. Me senti outra pessoa, uma jovem de 20, 25 anos. Felicidade, só felicidade, renovando a minha vida”, ressalta a animada senhora.
A bióloga Neiva Guedes, do Instituto Arara Azul, conta que estava a trabalho no Pantanal e que veio para Campo Grande especialmente para prestigiar Inocência, sua mãe. “A fundação é mais do que uma segunda casa para ela, é uma segunda família, porque ela vivencia o projeto dia a dia e isso a motiva a viver sempre alegre.
A gente fica muito realizado de contar com os parceiros que ajudam a manter esses idosos ativos”, elogia Neiva.
A gratidão é recíproca da parte de quem cuida do projeto, como afirma o diretor da Fundação Manoel de Barros, Marcos Henrique Marques. “Agradecemos a todos que acreditaram e que nos deixaram cuidar dessas joias preciosas que são as pessoas idosas”, finaliza.