O Festival Encontro com a Música Clássica é a principal agenda do segundo semestre para quem gosta de música de concerto em Campo Grande. Durante quatro dias, solistas, duos, trios, grupos de câmara e orquestras transformam o palco do Teatro Glauce Rocha em um espaço privilegiado de escuta e apreciação, onde é possível percorrer diferentes recantos da criação musical para orquestra e câmara, desde as tradições que se forjaram nos trópicos ao cânone e à vanguarda europeia, bem como o vigoroso diálogo estabelecido pelos dois lados do Atlântico.
A 18ª edição do festival teve início, na noite de ontem, no Teatro Glauce Rocha, com um concerto do acordeonista argentino Alejandro Brittes, que fez uma apresentação, acompanhado do Sexteto de Câmara da Sinfônica de Campo Grande, partindo do repertório do seu aclamado álbum “(L)este” (2022).
Por meio de composições autorais, com arranjos de Fernando Cordella, Brittes funde o chamamé com a música barroca, num alinhavo de pontos precisos e instigantes para uma conversa intrincada entre reverência e renovação.
Na abertura, o Sexteto da Sinfônica de Campo Grande também acompanhou o Duo Manhães na adaptação para violões do “Concerto para Dois Bandolins em Sol Maior” de Antonio Vivaldi (1678-1741). O Encontro segue até quarta-feira, no Teatro Glauce Rocha, com apresentações às 20 horas, e reserva gratuita de ingressos pela plataforma Sympla.
A democratização do acesso à música de concerto e o intercâmbio – de repertório, referências e sensibilidades – entre músicos locais, nacionais e internacionais permanecem como meta maior. Conforme a lotação da sala (776 lugares), os ingressos podem ser retirados na entrada do teatro 30 minutos antes de cada apresentação.
Cristian Budu e Nelson Freire (1944-2021) em Paris no ano de 2019: gênio mineiro o nomeou o músico paulista de sucessor
HOJE
Nesta segunda-feira, o grande encontro do festival será entre dois talentos brasileiros revelados de modo surpreendente, um por meio do piano – o paulista de São Bernardo do Campo, Cristian Budu – e o outro a partir da viola sinfônica, o sul-mato-grossense de Três Lagoas Brenner Rozales.
Aos 37 anos, pode-se dizer que Budu é um instrumentista consagrado desde os 25 anos, quando obteve o primeiro lugar no concurso Clara Haskil (Suíça), ao interpretar, na final, o “Concerto para Piano” de Robert Schumann (1810-1856) na final.
Destreza, desenvoltura, inventividade e precisão assinam o tratamento de Budu, que tem ascendência romena, quando se debruça para Frédéric Chopin (1810-1849) e Ludwig van Beethoven (1770-1827) – como atesta seu primeiro álbum – ou para qualquer outro dos mestres universais da música clássica.
O mesmo apuro e pesquisa valem para compositores brasileiros. “Pianolatria”, seu álbum mais recente, revisita, com esmero, de medalhões como Carlos Gomes (1836-1896) à quase obscura Nininha Velloso Guerra (1895-1921).
Na primeira parte da apresentação de hoje, em performance solo, o pianista parte do repertório do disco (duplo), lançado pelo Sesc em 2024, que prospecta ainda desde a lírica de Radamés Gnattali (1906-1988) e Villa-Lobos (1887-1959) a nomes submersos, como Luciano Gallet (1893-1931) e Clarisse Leite (1917-2003).
“Na segunda metade do recital vou tocar três peças com ele”, adianta Brenner Rozales, um ás da viola sinfônica, que após ter sido revelado em projetos de formação musical de Campo Grande, teve uma destacada atuação em São Paulo até ir estudar em Tel-Aviv, onde chegou a ser regido por Zubin Mehta.
O primeiro movimento da “Sonata para Arperggione”, de Franz Schubert (1797-1828), a cantilena da “Bachianas nº 5”, de Villa Lobos, e “Le Grand Tango”, de Astor Piazzolla (1921-1992), são os temas que Rozales e Budu interpretarão juntos. A Sonata de Schubert ganha novas execuções do violista, na quarta-feira e na quinta-feira, em Corumbá, onde o instrumentista vai se apresentar ao lado da pianista francesa Jodyline Gallavardin.
Jodyline Gallavardin: repertório singular e técnica apurada“Com a Jodyline em Corumbá, eu faço apenas a participação de uma peça. Vou tocar duas vezes o Schubert porque tivemos pouco tempo para decidir. Então é uma peça que já vai estar preparada por ambas as partes, mas eu teria preferência por tocar o Villa-Lobos”, revela Rozales, de 30 anos, que concilia seus projetos em Campo Grande e outras cidades com o trabalho docente em Corumbá.
“Nenhuma dessas composições são originais para viola”, diz o músico. “A primeira foi escrita para arppegione (instrumento de cordas) e é geralmente tocada no cello. A ‘Bachianas’ é originalmente escrita para voz soprano e oito cellos acompanhando. Esse arranjo para viola e piano foi feito por um grande virtuoso e renomado violista (escocês) da geração passada chamado William Primrose (1904-1982). O ‘Le Grand Tango’ do Piazzolla foi escrito originalmente para cello”, descreve Rozales.
O instrumentista sul-mato-grossense Brenner Rozales (viola sinfônica) faz duos com o piano da francesa Jodyline Gallavardin e do paulista Cristian Budu - Foto / DivulgaçãoNo programa de hoje, com um repertório de obras clássicas e modernas, apresentam-se ainda três orquestras sociais: GIC Viver Bem, Fraternidade Sem Fronteira e Projeto Águia.
AMANHÃ
Amanhã, a noite abre com o Duo Vinícius Klaus e Valério Reis (piano e cello). Os dois instrumentistas integram a Orquestra de Câmara do Pantanal, de Corumbá, e apresentam-se em Campo Grande em meio à turnê nacional da Nossa Orquestra (RJ), da qual também fazem parte.
Na sequência, será a vez do público conhecer o repertório, bem menos rodado, que a francesa Jodyline Gallavardin (piano) escolheu para seu concerto. A pianista vai explorar criações de artistas quase ignaros da Europa oriental.
Estão em seu programa, algumas peças raras do romantismo tardio, que se esgueira pelo começo do século 20, bordeando a música modernista, a exemplo do “Noturno” do russo Sergei Lyapunov (1859-1924), a “Música para Uma Noite de Verão”, de Pteris Vasks (Letônia) e o “Phoenix Park Nocturne”, do russo Arthur Lourié (1892-1966), um mestre inspirado pela pesquisa de tons de Scriabin e pelo onirismo de Debussy, que estabeleceu seus termos para a vanguarda mesmo antes de se abrigar em Paris.
A exceção no programa de Jodyline é o “Pássaro de Fogo”, de Stravinsky visto por Agosti. A pianista afirma que, embora não tão conhecidas pelo público, são peças bem acessíveis mesmo para quem não esteja familiarizado com música ou piano clássico. “Em Campo Grande, serão peças com muito lirismo, românticas, que possuem muitas cores e riqueza de harmonia”, diz a artista francesa de 25 anos, que fez seus estudos em Lyon antes de seguir para a Suécia, onde deu prosseguimento à sua pesquisa.
Após o concerto na Capital, ela segue para Corumbá, onde realizará uma série de atividades, por meio de parceria com o Moinho Cultural Sul-Americano. Na programação, estão dois concertos, um na quarta-feira, às 19h na Casa A, e outra na quinta-feira, às 17h, na sede do Moinho. Uma masterclass para os alunos da ONG está programada para as 14h de sexta-feira.
QUARTA-FEIRA
Encerrando o Encontro com a Música Clássica 2025, na quarta-feira, sob a regência de Eduardo Martinelli, a Orquestra Indígena apresenta o espetáculo “Arapy Aguassu – Sinfonia entre Dois Mundos”, de Martinelli e do português Norberto Cruz, recentemente apresentado na Europa e agora disponível ao público sul-mato-grossense. A noite terá a participação especial do Coro Infantojuvenil da Fundação Ueze Zahran das unidades CICA e MEIMEI.
O festival é uma realização do Governo do estado de Mato Grosso do Sul, por meio da Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Cultura (Setesc) e da Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul (FCMS) em parceria com a UFMS, Fundac/PMCG, Fecomércio/Sesc-MS e da Aliança Francesa, além do apoio cultural da Fundação Ueze Zahran e da TV Morena.



Neli Marlene Monteiro Tomari e Yosichico Tomari, que hoje comemoram bodas de ouro, 50 anos de casamento - Foto: Arquivo Pessoal
Donata Meirelles - Foto: Marcos Samerson


