Para que esta reportagem ficasse pronta, foram realizadas quinze entrevistas nos últimos dias com profissionais de diferentes gerações do jornalismo de Campo Grande.
Como se trata de um assunto em que a diversidade dos depoimentos pesa mais do que a visão única de quem escreve, ou seja, o impacto da pandemia no exercício profissional do jornalista, a estratégia foi ouvir muita gente.
Enquanto você lê, os aqui entrevistados e milhões de outros especialistas na investigação, divulgação e análise dos fatos trabalham por uma meta permanente – a construção e a circulação da notícia mesmo em tempos de Covid-19.
Há 90 anos, a Associação Brasileira de Imprensa decidiu instituir o 7 de abril como Dia do Jornalista, em memória da atuação de Líbero Badaró na consolidação da Independência do Brasil e na luta pela liberdade de imprensa.
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Além de jornalista, Badaró foi médico, e a pergunta lançada aos profissionais da redação do Correio do Estado aborda justamente o impacto de uma doença tão letal na rotina da categoria: o que mudou no exercício da profissão em um ano de pandemia?
“Existe aquela máxima do jornalismo de que lugar de jornalista é na rua e a pandemia mudou isso, o repórter não pode mais estar em todos os lugares e não é toda fonte que tem disponibilidade para ser entrevistada, por uma questão de saúde e necessidade de distanciamento”, afirma a repórter Glaucea Vaccari, frisando que, além da caneta e do bloquinho, álcool em gel e máscara passaram a ser itens de trabalho, “o que exige todo um novo tato”.
Daiany Albuquerque diz que home office era uma coisa impraticável para o jornalismo diário, que, além do contato com as fontes, requer que o jornalista “vá até o problema”.
“Agora, nós saímos quando é extremamente necessário, trabalhamos de casa quando podemos e convivemos diariamente com o medo, porque a cada entrevista com especialistas sobre a doença, a cada dado novo que recebemos, percebemos que a situação está retrocedendo em relação a um ano atrás e a vacinação ainda não terminou nem para os idosos”.
Para Naiane Mesquita, essa “invasão” do ambiente profissional no pessoal tem seus desafios cotidianos, com os quais “ao longo do tempo nós vamos aprendendo a lidar”.
O cansaço e até mesmo a rejeição do leitor às notícias também são apontados pela repórter Thais Libni, pelo editor Eduardo Miranda e pelo diretor Marcos Fernando Alves Rodrigues.
“Todos os dias nos reinventamos para informar o leitor de forma que ele não nos ataque, mas entenda a importância do que estamos publicando”, afirma a repórter.
“A gente nunca deu tanta notícia ruim” desabafa Miranda.
“Mas temos compromisso com o fato, e o fato às vezes é cruel, muita gente nega a realidade, tanto que veio o termo negacionismo, mas essa negação da realidade cria uma rejeição ao emissor da notícia, e não ao causador ou responsável pela política pública.
Muita gente joga para nós o papel de vilão da história só por noticiar um fato que é comprovadamente verdadeiro”.
Marcos avalia que não é somente a Covid-19 o fator responsável pelo aumento de notícias ruins.
“Há um agravamento também da conjuntura política, a gente sofre muito xingamento porque sempre prezou pela notícia de qualidade e sofre muito xingamento pelas redes sociais, que viraram um ringue de luta livre”, afirma o diretor.
REALIDADE DE PERTO
Assim como todos os entrevistados, Eduardo Miranda ressalta que a realidade “chegou perto da gente e nos entristeceu muito”.
O mês de março foi devastador para ele e todos os colegas do Correio do Estado.
Após a morte do repórter-fotográfico Valdenir Rezende em 28 de fevereiro, em decorrência da Covid-19, a editora de Economia, Súzan Benites, perdeu o pai, a mãe e o irmão no intervalo de uma semana. “Estar do outro lado como notícia nunca passou pela minha cabeça e, sem dúvidas, tem sido a parte mais difícil”, conta.
Enquanto novatos na redação, como a repórter Beatriz Magalhães, se formaram e colaram grau durante a pandemia e ainda não conseguiram “vivenciar muita coisa da profissão justamente por não ter essa segurança sanitária necessária”, o professor de Jornalismo da UFMS Marcelo Câncio afirma que a essência do jornalismo permanece a mesma.
“A responsabilidade profissional e ética, a forma como o jornalista deve trabalhar essa prática não se altera em função desse momento da pandemia; são questões fundamentais e que precisam ser preservadas, o caráter profissional não muda”.
O professor destaca ainda o desafio de reinventar os mecanismos de apuração com a mesma qualidade de antes, dificuldade que, segundo o repórter de Política, Flávio Veras, torna ainda mais árduo o trabalho para se obter um furo, algo ainda mais crucial para segmentos como o noticiário político.
“Essa impessoalidade fria dos aplicativos de mensagens traz um distanciamento com o entrevistado”, diz Flávio.
A colunista e também diretora do Correio do Estado Ester Figueiredo, veterana da equipe, com 52 anos de estrada no jornalismo, não reduz as cores trágicas da Covid-19, mas frisa que os temores fazem parte do desconhecido.
“Mudar uma rotina de mais de 50 anos não foi fácil, mas, como não havia outra opção, o jeito foi encarar e adaptar-se, deixando de lado o tradicional tête-à-tête”.
Valdenir Rezende: a simpatia na linha de frente
Por: Roberto Higa
Lamento muito a morte dos coleguinhas que botaram a cara a tapa, vou carregar isso para o resto de nossas vidas.
Perdemos o Valdenir, aquela pessoa simpática com todos, em função dessa coisa de estarmos muito à frente.
Um repórter fotográfico de mais de 40 anos de profissão, de uma família só de fotógrafos, que infelizmente por estar na linha de frente aconteceu o que aconteceu, apesar da experiência.
É aquela coisa, aquela vontade de fazer o diferente que te leva para os hospitais, para as UPAs, estar em volta de pessoas e correr todo esse risco.
Fiz uma vez uma foto dele fotografando com o celular, uma coisa não muito usual para o fotógrafo profissional. Mas era um cara tão legal e simpático com todos, que acabava fazendo essas fotinhas quando era para ajudar. (MP)