Depois de o Ibama barrar a dragagem de manutenção do Rio Paraguai, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) decidiu acelerar o processo que prevê a 'privatização' da hidrovia e assim atribuir ao vencedor desta licitação a responsabilidade pela remoção dos bancos de areia que atrapalham o transporte, principalmente, de minério de ferro.
A previsão inicial da Antaq era fazer a concessão do Rio Madeira, que liga Porto Velho (RO) a Itacoatiara (AM), prevista para ser levada a leilão na B3, em São Paulo, até março do próximo ano.
Agora, porém, as prioridades mudaram, conforme explicou o o diretor-geral da Antaq, Eduardo Nery, em entrevista à rádio CNN. “Estamos apostando que a hidrovia do Paraguai será a primeira concessão a ser realizada. A meta é fazer essa audiência pública até fevereiro. Para que no ano que vem, possivelmente no começo do segundo semestre ou no final do primeiro semestre, a gente tenha o edital lançado. De qualquer jeito, será realizada ainda em 2025. É uma meta totalmente viável”, afirmou.
A tarifa da concessão da hidrovia deve ser anunciada ainda em dezembro, segundo Nery. O valor não foi divulgado, mas o diretor da Antaq afirmou que a tarifa será abaixo do esperado pelo mercado para cobrir investimentos, como dragagem e sinalização, e despesas com manutenção da hidrovia.
“É uma tarifa muito atrativa. Isso nos deixa muito animados em relação à consistência do projeto, quanto à atratividade da tarifa. A tarifa terá um preço bem interessante, o que vai tornar o modal mais atrativo”, afirmou o diretor-geral.
Transporte
No ano passado foram despachadas 7,91 milhões de toneladas de grãos e minérios embarcados em portos da região de Corumbá e Porto Murtinho,, representando recorde histórico e alta de quase 73% na comparação com o ano anterior. Isso equivale à retirada de cerca de 160 mil carretas das rodovias ao longo de um ano.
Só em minérios foram 6 milhões de toneladas. Em segundo lugar veio a soja, despachada a partir de Porto Murtinho, com 1,62 milhão de toneladas.
Neste ano, porém, por causa da escassez de chuvas, o cenário é desolador e o rio chegou a atingir seu menor nível em 124 anos, ficando em 69 centímetros abaixo de zero na régua de Ladário. O recorde anterior havia ocorrido em 1964, quando a régua marcou 61 centímetros abaixo de zero.
Desde meados de outubro, após o retorno das chuvas, o nível começou a subir e nesta quarta-feira amanheceu em 34 centímetros em Ladário. Mas, para que o transporte possa ser retomado a pleno vapor, terá de subir mais 1,2 metro.
QUEDA
E por falta de água, o transporte de minérios e soja nos primeiros nove meses de 2024 caiu 60% na comparação com igual período do ano passado, recuando de 6,88 milhões de toneladas para apenas 2,78 milhões.
Para se livrar da dependência das chuvas, a alternativa seria a remoção de pelo menos quatro grandes bancos de areia entre Corumbá e Porto Murtinho. Em julho deste ano o presidente do Ibama chegou a prometer a liberação da chamada dragagem de manutenção, o que garantiria a navegabilidade durante o ano inteiro, inclusive nos períodos de estiagem.
Mais adiante, porém, o Instituto recuou e passou a exigir Estudo de Impacto, algo que demora até dois anos para ser concluído. O Governo Federal já disponibilizou R$ 95 milhões para bancar estas dragagens e o DNIT chegou a mobilizar equipamentos para dar início aos trabalhos. Mas, com o recuo do IBAMA, tudo foi suspenso.
Agora, conforme declarou o diretor da Antaq, esse serviço de dragagem terá de ser feito pela empresa que vencer a licitação, indicando que a concessão seria uma forma de driblar os setores do próprio governo federal contrários à remoção dos bancos de areia.
Segundo o DNIT, com a chamada de dragagem se resume a remover os bancos de areia de um lugar para outro no fundo do rio. Ou seja, ao contrário da dragagem tradicional, nada seria retirado do leito, impedindo assim que este trabalho pudesse afetar o nível ou a velocidade das águas.
Atualmente, o transporte ocorre principalmente no chamado tramo sul, entre Corumbá e Porto Murtinho. A privatização, porém, deve incluir também os 680 quilômetros entre Corumbá e Cáceres, em Mato Grosso. Neste trecho já são feitas dragagens rotineiras de manutenção.
PEDÁGIO
Já está definido pela Antaq que o pedágio só poderá ser cobrado após a implementação das benfeitorias nas vias, como sinalização, balizamento, obras de dragagem e disponibilização de cartas náuticas digitais.
Hoje, nenhum rio brasileiro conta com as benfeitorias previstas para serem implementadas pelas concessionárias, consideradas básicas do transporte hidroviário. No jargão do mercado, os rios por onde trafegam cargas no Brasil são vias navegáveis, não hidrovias estruturadas.
O Brasil conta hoje com 42 mil km de vias navegáveis, mas a extensão utilizada é de apenas 19.200 km, por onde trafegaram 128 milhões de toneladas de mercadorias em 2023.
Nos Estados Unidos, apenas o rio Mississippi transporta por volta de 400 milhões de toneladas de carga por ano.
O transporte hidroviário é atrativo ao gerar economia para o embarcador. Em média, uma barcaça transporte 1.500 toneladas em cargas, volume que exigiria o uso de 60 carretas.
Segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) , o transporte hidroviário propicia uma redução de 30% nos custos quando comparado ao transporte rodoviário. A emissão de dióxido de carbono (CO2) é estimada em um quarto do que é emitido pelo transporte rodoviário e em dois terços do que é gerado pelo ferroviário.
Após a privatização, conforme a Antaq, o volume a ser transportado pelo Rio Paraguai pode aumentar em pelo menos quatro vezes.