Entre o status e o respeito de um secretário estadual de segurança e a simplicidade de um lavrador, Rui tem mais saudade da vida humilde em Bandeirantes, quando cuidava da roça ao lado dos pais. Aos 77 anos, o primeiro delegado de polícia de Campo Grande a se tornar secretário de Segurança do Estado tem uma trajetória que, até hoje, chama atenção de quem ouve a história da vida dele resumida em uma frase: de faxineiro de delegacia a ocupante do 1º escalão da segurança de Mato Grosso do Sul. Conhecido de muitos que vivem no Estado há mais de três décadas, Rui de Oliveira Luiz é protagonista de uma história repleta de obstáculos, conquistas e curiosidades que, para muitos campo-grandenses, é desconhecida.
Rui nasceu em Rochedinho, um dos distritos da Capital. Filho de pai e mãe pobres, a saída para a sobrevivência na época era a vida dura no cabo da enxada. Quando Rui ainda era um bebê, os pais decidiram se mudar para Bandeirantes, cidade distante 70 quilômetros de Campo Grande e onde os pais acreditavam que a vida seria melhor.
Rui e a família cresceram trabalhando na roça, na produção de tudo quanto era alimento. Com a vida difícil e sem poder deixar a plantação para se dedicar integralmente às aulas, Rui cursou apenas o início da vida escolar em Bandeirantes, o que equivale ao pré-escolar atualmente.
Ele abandonou a escola e decidiu que ajudar a família era mais importante que os estudos, naquele momento.
Quando o pequeno Rui tinha 8 anos, em 1947, os pais decidiram que o estudo seria o caminho para melhores oportunidades de vida e mudaram-se para Campo Grande, na época cidade do interior de Mato Grosso. “Vim por decisão da família, porque a pobreza continuava do nosso lado, vim para estudar, mas não tinha experiência nenhuma”, conta.
Praticamente analfabeto, apenas sabendo assinar o nome, como ele mesmo ressalta até hoje, Rui trabalhou em outras funções. Foi servente de pedreiro, trabalhou em fábrica de ladrilhos e com serviços gerais no Colégio Dom Bosco.
Os anos se passaram, a juventude chegou e Rui acabou trabalhando por nove meses no Exército Brasileiro, onde prestou serviços. Em um dos acasos do destino, ele conheceu Plínio Soares Rocha, vereador da Capital e presidente do diretório do Partido da União Democrática Nacional (UDN).
“Ele teve uma simpatia muito boa comigo e me levou ao extinto Departamento de Estradas de Rodagem, que ficava nos altos da Avenida Afonso Pena. Lá, eu fui submetido a um teste para fretista, mas antes de concluir me disseram, sem nenhuma reserva: ‘Esse menino é analfabeto e, portanto, não tem condições de trabalhar aqui”, relembra Rui, com saudosismo na voz.
A vontade de ajudar o menino pobre e sem conhecimentos era tanta que Plínio decidiu tentar outro trabalho para Rui, dessa vez, o apresentando ao 1º tenente da Polícia Militar Clodomiro de Albuquerque, na época delegado central de polícia.
A delegacia onde Rui entrou como candidato a uma vaga de emprego e saiu com o trabalho de faxineiro e entregador de correspondência ficava na Rua 14 de Julho, entre a 7 de Setembro e a 26 de Agosto, onde hoje está instalado o quartel central do Corpo de Bombeiros.
CHEGADA À POLÍCIA
Bem recebido no novo posto de trabalho, Rui começou a desempenhar a função de faxinar a delegacia e entregar correspondência a policiais com muito empenho.
Em agosto de 1961, ele decidiu que precisava retomar os estudos, ou praticamente começar, já que ele tinha apenas a pré-escola. Na Escola General Malan, em três meses, Rui cursou o primário em um programa que permitia aos alunos com mais idade concluir as séries rapidamente.
O esforço do faxineiro em crescer na vida não passou despercebido aos chefes e, em setembro de 1961, ele acabou promovido e nomeado para exercer cargo de guarda-civil. O trabalho que Rui fazia é o mesmo que agentes de trânsito desenvolvem hoje.
Enquanto trabalhava na nova função, Rui sabia que precisava continuar o desenvolvimento nos estudos para que a carreira na polícia, que ele mal imaginava que poderia ser realidade, continuasse.
No fim daquele mesmo ano, aos 22 anos, Rui foi incentivado por chefes e decidiu prestar concurso para entrar em uma escola onde poderia cursar o ginásio, o atual Ensino Médio.
Aprovado no Colégio Batista Matogrossense, Rui continuava os estudos e o destaque profissional não demorou a chegar.
No ano seguinte, em 1962, o novo delegado central de polícia de Campo Grande, João Batista Pereira, viu potencial em Rui e o promoveu ao cargo de escrivão de polícia. Naquela época, ainda não havia concurso público para a carreira de policial civil e os agentes eram todos nomeados para os cargos.
“Nova vida tão boa quanto a anterior”, resume Rui. A rotina nas diligências na rua, investigação de crimes e depoimentos policiais fizeram com que o jovem quisesse ainda mais. Em 1977, a conquista foi a aprovação para o curso superior de Ciência Jurídica na Faculdades Unidas Católica de Mato Grosso (FUCMT), atual Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
Com o curso concluído, Rui se destacou ainda mais e a experiência fez com que ele fosse nomeado ao cargo de delegado de polícia do Jardim Paulista, um bairro com criminalidade “pesada” e muitos crimes para serem investigados.
“Trabalhei em vários casos como delegado do bairro, que tinha uma fama violenta. Com a divisão do Estado, fui convidado para cargo de chefe de estabelecimento do interior do Departamento de Segurança Penitenciária (DSP) e aceitei”.
Com isso, João Batista Pereira, aquele que tinha promovido Rui a escrivão, acabou assumindo a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado, segundo desde que Mato Grosso do Sul tinha sido criado.
Foi nessa época que a admissão para a carreira de policial civil mudou e a entrada na polícia começou a exigir provas, um molde do que se tornaram os concursos públicos hoje.
“O secretário João Batista admitia muita gente como agente de polícia, muitas pessoas não sabiam nem ler. Ele criou a prova de admissão e a inscrição dependia do candidato ter concluído o 2º grau. Depois disso, caminhou para criação de concurso”, conta Rui.
ESCALADA
Satisfeito com o trabalho e conhecendo a competência de Rui, o secretário o convidou para assumir o cargo de corregedor-geral da Polícia Civil.
A partir daí, a escalada profissional não teve fim. Rui foi diretor-geral da Polícia Civil e, em 1986, recebeu convite do então governador Ramez Tebet para assumir a Secretaria de Segurança, substituindo o experiente Aleixo Paraguassu.
O primeiro delegado de polícia a assumir secretaria ficou na função durante 10 meses. Depois saiu eleito para o cargo de vereador, em 1989, também conquistando o feito de primeiro delegado a ocupar o plenário da Câmara Municipal.
Foram poucos meses como homem no Legislativo, porque novamente foi chamado para ocupar a cadeira de secretário de Segurança de Mato Grosso do Sul, dessa vez na gestão de Marcelo Miranda Soares.
Depois de se aposentar como delegado e deixar a carreira no governo e na política, Rui decidiu atuar como advogado, mas problemas no coração fizeram com que a ordem médica de ficar longe de tantas emoções fosse cumprida e hoje ele tem tempo para matar as saudades da vida no campo.
Casado com Ada há 53 anos, pai de quatro filhos, avô de oito netos e bisavô de seis bisnetos, Rui lembra com orgulho de tudo que viveu e o quanto contribuiu para a evolução da polícia sul-mato-grossense.
“Eu nunca tive sonho de ser delegado ou coisa parecida, porque a minha inexperiência não me permitia isso. Quando trabalhei de faxineiro, comecei a ver, muito incentivado pelo doutor Plínio, que eu precisava estudar para ser alguém na vida e foi isso que eu fiz”, completa.


