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SAÚDE

Desenvolvimento de vacinas esbarra em falta de investimento e laboratórios avançados

Segundo especialistas, ainda há obstáculos para transpor o chamado "Vale da Morte" na produção de vacinas e garantir autonomia

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Se depender das políticas nacionais de incentivo no país, o Brasil vai continuar sendo um local de produção de vacinas, mas com dificuldades para se alçar como um desenvolvedor da tecnologia de imunizantes -fundamentais no combate a doenças infecciosas, como ficou evidente na pandemia da Covid.

Isso porque, segundo especialistas, ainda há obstáculos para transpor o chamado "Vale da Morte" na produção de vacinas e garantir autonomia.

O primeiro deles ocorre na etapa de saída do conceito de prova em laboratório para o braço das pessoas –isto é, conseguir fazer com aquela molécula testada em laboratório seja, de fato, efetiva. Essa etapa acabou de ser vencida pela vacina SpiN-Tec, a primeira vacina 100% brasileira contra o coronavírus.

Desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais com apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a vacina utiliza uma proteína do vírus, a Spike ou espícula (gancho molecular usado pelo vírus para entrar nas células) modificada para induzir a produção de anticorpos sem causar a infecção.

Além de ter sido fabricada no CT Vacinas, espaço novo de produção de imunobiológicos em Belo Horizonte, a vacina recebeu a aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para iniciar os testes em humanos no final de novembro.

"Esse é o primeiro 'vale da morte', que é iniciar os ensaios, e nós superamos isso. Agora existe um segundo, que é o envolvimento com o setor privado para produzir as vacinas, e isso ainda carece no Brasil", explica o professor de Ciências Biológicas da UFMG e coordenador do CT Vacinas, Ricardo Gazzinelli.

De acordo com ele, como o investimento em vacinas é muito caro e de alto risco, é mais difícil conseguir o apoio de empresas, sejam nacionais ou estrangeiras. Ele ressalta, porém, que o fenômeno não é restrito ao Brasil e que diversas vacinas no mundo contra a Covid não conseguiram avançar para os testes.

No país, esse é muitas vezes ocupado pelas duas grandes produtoras de vacinas no país, a Fiocruz (Bio-Manguinhos, no Rio) e o Instituto Butantan, de São Paulo. Juntas, são responsáveis pela fabricação de mais de 80% de todas as vacinas utilizadas no PNI (Programa Nacional de Imunizações), mas ainda é baixo o investimento em pesquisa e desenvolvimento, segundo Gazzinelli.

"As duas fábricas estatais estão mais envolvidas em produção, embora tenham as suas áreas de pesquisa.

Mas quando você passa para as fases clínicas mais avançadas, com um número maior de participantes envolvidos, o valor para alcançar essa etapa pode ir de R$ 10 milhões para R$ 100 milhões, e é aí que entram as grandes farmacêuticas. No Brasil, ainda não há esse investimento pesado", lamenta.

Luciana Leite, pesquisadora do Instituto Butantan e diretora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do instituto, afirma que nem sempre aquela proteína ou molécula do laboratório vai ter potencial para crescer em escala, e aí entra um processo de tentativa e erro.

"Tem uma série de processos que precisam ser feitos por equipes altamente capacitadas, engenheiros de processo, químicos, biofísicos. E começar essa estrutura do zero não é fácil", explica ela.

Leite desenvolve há anos uma vacina da BCG a partir do organismo (pneumococo) vivo. Nesses casos entra uma outra dificuldade, que é ter laboratórios com biossegurança nível 3.

Os laboratórios de análises clínicas que trabalham com amostras infectantes possuem uma classificação que vai de 1 a 4, sendo o 4 o nível mais alto de segurança. De acordo com essa classificação, materiais biológicos com alto risco de infecção precisam ter uma série de etapas e barreiras físicas que evitam a contaminação do ambiente ou de profissionais.

Geralmente, um nível 3 é indicado quando há manipulação de amostras vivas de vírus e bactérias, e só há um classificado no país, no Instituto de Ciências Biomédicas da USP. No Butantan, os laboratórios existentes são de nível 2.

"Não basta só construir fábrica, é um investimento de anos. Você não compra autonomia da noite para o dia, precisa das equipes treinadas, da infraestrutura montada, dos setores regulatório, de controle de qualidade e demais periféricos atuando", pondera Leite. "E se a demanda for baixa, não vale a pena manter o pessoal treinado, qualificado e recebendo salário para fazer uma proteína por ano."

De acordo com Gazzinelli, o novo centro em Belo Horizonte deve conseguir também avançar na pesquisa de uma vacina contra leishmaniose e outra contra malária no próximo ano.

"Como montamos uma estrutura e capacitamos equipes para a produção da vacina contra a Covid, a expectativa é que as próximas vacinas produzidas já vão ter um custo menor", diz.

Para ele, se o Brasil conseguir criar sua própria rotina de desenvolvimento e pesquisa tecnológica, vai ficar muito mais fácil garantir a autonomia, inclusive, para atrair investimentos.

"À medida que isso acontecer nós vamos conseguir mais recursos para as fases clínicas [de testagem em humanos]. E são várias doenças que ocorrem por aqui para as quais ainda não temos vacinas, e que muitas vezes o setor farmacêutico não está interessado em buscar. Por isso, essa questão da autonomia é fundamental", diz.

PASSO A PASSO PARA SE OBTER UMA VACINA  

Processo pode demorar mais de uma década

Pesquisa pré-clínica
Pesquisa feita antes dos testes em humanos, em animais ou células em laboratório. Busca entender como o patógeno infecta o hospedeiro e possíveis antígenos. Pode demorar vários anos até esse corpo de conhecimento ser sólido o suficiente.

Pesquisa clínica - Fase 1
O teste é feito com dezenas de seres humanos saudáveis. A ideia é ver se o fármaco é seguro e não causa efeitos colaterais. Essa fase de pesquisa pode demorar alguns meses. Muitos candidatos falham nesta etapa e também na etapa seguinte.

Pesquisa clínica - Fase 2
Com algumas centenas de voluntários deseja-se saber se o fármaco, além de seguro, tem chances de funcionar. No caso de uma vacina, a ideia é que sejam gerados anticorpos contra o patógeno (ainda resta saber se eles de fato imunizam).

Pesquisa clínica - Fase 3
Com base nos resultados de segurança e de possível eficácia, milhares de pessoas são vacinadas e outras milhares recebem placebo (uma injeção que não contém o imunizante propriamente dito) para quantificar o potencial de imunização do candidato a vacina.

Construção de fábricas
Via de regra a construção da fábrica pode levar anos e só acontece após a aprovação da vacina, dado que ela pode se mostrar insegura ou ineficaz em alguma das etapas de pesquisa clínica, e a obra se tornar um investimento perdido.

Produção em larga escala
Produzir uma vacina requer equipamentos específicos e técnicas também específicas. Enquanto algumas vacinas são produzidas após a infecção de ovos de galinha com vírus, outras dependem da produção de antígenos por microrganismos, por exemplo.

Distribuição
Além de garantir a quantidade necessária para imunizar potencialmente toda a população, é preciso ter meios para que ela consiga chegar aos diversos países.

 

SEGURANÇA

Violência contra jornalistas será monitorada em observatório

Além de monitorar e criar banco de dados de ocorrências desse tipo, o Observatório da Violência Contra Jornalistas servirá também de canal de diálogo entre profissionais da área e o Estado

08/02/2025 20h00

"A criação do observatório representa um olhar do Estado brasileiro sobre a garantia do direito humano que é o de acesso à informação", cita presidente da Fenaj Reprodução

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Mais recente jornalismo ganha uma ferramenta que, caso atinja seus objetivos, resultará em garantias para o bom exercício da profissão, em especial nas situações de violência contra aqueles que cumprem seu papel de informar.

Além de monitorar e criar um banco de dados de ocorrências desse tipo, o Observatório da Violência Contra Jornalistas servirá também de canal de diálogo entre profissionais da área e o Estado, visando, inclusive, a elaboração de políticas públicas específicas e apoio a investigações.

As diretrizes, composição, organização e funcionamento do observatório estão previstas na Portaria nº 116/2025, publicada esta semana pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, no Diário Oficial da União.

De acordo com a Secretaria Nacional de Justiça (Senajus), órgão do MJ ao qual o observatório está vinculado, ele terá, entre seus objetivos, monitorar ocorrências, sugerir políticas públicas, apoiar investigações e criar um banco de dados com indicadores sobre os casos.

O observatório será composto por representantes de diversas secretarias da pasta, bem como por 15 membros da sociedade civil com atuação comprovada na defesa da liberdade de imprensa e no combate à violência contra comunicadores.

Fenaj

Entre as entidades que participaram dos debates visando sua criação está a Federação Nacional dos Jornalistas ( Fenaj). Segundo a presidente da entidade, Samira de Castro, a exemplo do Conselho Federal de Jornalistas, essa é também uma demanda antiga da categoria.

“Desde o primeiro momento, o observatório era demanda da sociedade civil ligada ao campo do jornalismo. A situação se agravou muito durante os quatro anos do governo Bolsonaro, culminando nos atos de 8 de janeiro. Foi quando levamos uma proposta inicial ao então ministro da Justiça Flávio Dino”, explica a presidente da Fenaj.

Segundo Samira de Castro, durante a gestão à frente do MJ, Flávio Dino deu início à estruturação do observatório. “No entanto, com a sua saída para o STF [Supremo Tribunal Federal], tivemos de partir as discussões praticamente do zero com a nova equipe ministerial”.

Entre as contribuições iniciais feitas pela sociedade civil, estão a elaboração do regimento interno do observatório e a composição de seu conselho.

Olhar do Estado

“A criação do observatório representa um olhar do Estado brasileiro sobre a garantia do direito humano que é o de acesso à informação. Nunca houve um mecanismo desse tipo, com olhar voltado especificamente não apenas para jornalistas, mas para comunicadores e pessoas que garantem direito de acesso à informação a suas comunidades”, explicou Samira à Agência Brasil.

A entrada do Estado nessa causa, segundo a jornalista, é um fato muito importante, inclusive para lidar com questões burocráticas da profissão, quando se torna necessário o enfrentamento à violência praticada contra jornalistas.

“Diversas entidades ligadas ao jornalismo, inclusive o Repórteres sem Fronteiras e a própria Fenaj, fazem acompanhamentos sobre a violência que é praticada contra jornalistas. Nossos relatórios, no entanto, não têm papel nem peso do Estado. Essa construção com a sociedade civil é um grande diferencial”.

Políticas públicas

Ela ressalta a possibilidade de, a partir das denúncias levadas ao observatório, se construir políticas públicas voltadas especificamente aos jornalistas, de forma a garantir que exerçam, da melhor forma, a profissão em suas especificidades.

Para Samira, é também importante para a proteção dos chamados comunicadores populares, que atuam em áreas não diretamente ligadas a direitos humanos, mas que também sofrem ameaças.

“É o caso, por exemplo, de repórteres que cobrem políticas locais no interior do país. Antes, essa proteção estava restrita àqueles que trabalhavam diretamente na área de direitos humanos”.

De acordo com a dirigente da Fenaj, os grupos formados no âmbito do observatório ficarão atentos também “à confusão causada por influenciadores e os pseudojornalistas”, referindo-se a pessoas que, sem estudo adequado e sem diploma em jornalismo, reivindicam, para si, a profissão.

“Isso se intensificou após o STF considerar desnecessária a formação acadêmica em jornalismo. A Fenaj sempre defendeu a profissionalização, claro que dando atenção também aos comunicadores populares, quando produzem material próximo ao jornalismo, ajudando sua comunidade a ter acesso a informações relevantes”, acrescentou.

Para a Fenaj, a retirada da obrigatoriedade de diploma acadêmico para o exercício da profissão tem influência direta na banalização de uma atividade profissional necessária e estratégica para a sociedade.

Ela lembra que o próprio presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, tem declarado que o Brasil nunca precisou tanto de uma imprensa qualificada, e que essa constatação veio após o próprio STF ter retirado o critério mínimo para o exercício da profissão.

“Precisamos retomar essa discussão urgentemente, em meio a tantos perfis de redes sociais que se autointitulam jornalistas, emitindo a todo momento todo tipo de opiniões desqualificadas”, argumentou.

A presidente da Fenaj explica que, para atuarem no gênero opinativo, os jornalistas precisam estar minimamente embasados, ouvindo especialistas, não podendo se guiar pelo senso comum nem pelos achismos.

“Outros atores não se atêm nem mesmo à realidade do fato para emitir opinião. Opinam sem embasamento sobre questões que são importantes para a sociedade. Vidas podem ser colocadas em risco também por conta disso. Sem falar nas práticas criminosas cometidas por eles, quando pregam intolerância religiosa, racismo, LGBTfobia”, disse.

Fato jurídico

Diante desse cenário, a Fenaj tem buscado se aproximar dos ministros do STF, a fim de viabilizar um reposicionamento sobre a questão do diploma.

“Na época em que a suprema corte tomou a decisão, não havia plataformas de redes sociais com tamanho alcance e influência. Esse é um fato novo que, por si, justifica a retomada e a revisão do julgamento”, argumentou.

“Vivemos atualmente um cenário extremamente contaminado onde praticam o que chamo de pseudojornalismo. O observatório terá critérios objetivos de atuação em relação a esse tipo de situação também, mas com base em referências da academia, que também vai compor grupos de trabalho do observatório”, acrescentou a dirigente referindo-se aos integrantes do observatório, que terá, em sua composição, conselheiros públicos, sociedade civil e por representantes de ministérios como Justiça, Direitos Humanos, Igualdade Racial e Mulheres.

 

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BRASIL

STF dá 10 dias para governo explicar aumento de malária no território Yanomami

Dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde aponta aumento de 27% nos casos registrados entre os anos de 2023 e 2024

08/02/2025 19h00

a Apib relatou que as ocorrências de desnutrição e infecção respiratórias agudas também estão em

a Apib relatou que as ocorrências de desnutrição e infecção respiratórias agudas também estão em "constante crescimento". Fernando Frazão/ Agência Brasil

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Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso deu 10 dias para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) explicar o aumento de casos notificados de malária na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

A decisão foi proferida na quinta-feira, 6, e o prazo termina no próximo dia 16. O Estadão procurou o Ministério da Saúde e a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), mas não obteve retorno.

Barroso cobrou respostas do governo após a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) apontar, em uma manifestação enviada ao STF no último dia 24, que os casos de malária aumentaram em 27% entre os anos de 2023 e 2024, de acordo com dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde.

Além disso, a Apib relatou que as ocorrências de desnutrição e infecção respiratórias agudas também estão em "constante crescimento".

"Embora o boletim indique que o aumento de casos notificados esteja relacionado ao aumento da cobertura de serviços de saúde, é estarrecedor que, após pelo menos dois anos de conhecimento público sobre a situação, sejam registrados, em um período de seis meses, 18.310 casos (dezoito mil trezentos e dez casos) em um conjunto populacional de 32.012 (trinta e dois mil e doze) indígenas, o que representa mais da metade da população possivelmente contaminada", disse a Apib na manifestação.

A entidade também acusa a pasta chefiada por Nísia Trindade de falta de transparência sobre a emergência. Segundo a Apib, os informes de saúde sobre o território Yanomami tinham periodicidade semanal até setembro de 2023 e, após isso, passaram a ser mensais e finalmente semestrais a partir de agosto do ano passado.

Em julho, o Estadão mostrou que o Ministério da Saúde parou de divulgar boletins com dados sobre número de mortes e incidência de doenças e desnutrição na Terra Indígena Yanomami. O governo também deixou de responder os pedidos sobre a situação na região apresentados via Lei de Acesso à Informação (LAI).

"É primeiro necessário observar a falha do Ministério da Saúde em prover transparência adequada às ações empregadas para combater a emergência de saúde na Terra Indígena Yanomami, uma vez que a ausência de periodicidade nas informações públicas, bem como o longo período no qual são elaboradas, denota uma ausência de compromisso com o repasse de informações adequadas para que se possa realizar um balanço das informações apresentadas", disse a Apib.

Um dos primeiros gestos do mandato de Lula foi decretar, em janeiro de 2023, estado de emergência na Terra Indígena Yanomami após altos índices de morte, justamente por malária e desnutrição.

O Executivo realizou operações para a retirada de garimpeiros e reabriu seis dos sete polos-base existentes no território. Mesmo assim, no início do ano passado, o Planalto reconheceu que as ações não deram conta de sanar a crise.

Em março do ano passado, o governo liberou R$ 1 bilhão em crédito extraordinário para as ações contra o garimpo ilegal e o provimento de atendimento médico.

Na manifestação enviada ao STF, a Apib afirma que, apesar do valor significativo enviado pelo Executivo, as verbas não foram suficiente para reverter os quadros de óbitos.

 

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