Há algumas semanas, uma menina de três anos morreu vítima de maustratos em Campo Grande. Semanas antes, denúncia anônima chegou a delatar a situação à polícia, que por sua vez acionou o Conselho Tutelar. Porém, o risco foi ignorado e as consequências foram trágicas. Nesta semana, o palco da tragédia foi Corumbá, onde uma adolescente de 15 anos confessou ter matado a facadas seu filho de 13 meses. Inicialmente ela afirmou que teve ajuda do namorado, de 19 anos, mas um dia depois do crime mudou a versão a assumiu tudo sozinha. Conforme a menina, o casal queria mudarse para o Rio de Janeiro e o bebê era visto como empecilho. Durante o velório, a mãe da adolescente revelou que já havia procurado o Conselho Tutelar para tentar conseguir a guarda do neto, pois percebia que a filha não tinha condições para cuidar da criança. Os conselheiros, segundo a mulher, alegaram que nada poderiam fazer, pois o direito da mãe estava acima da preocupação da avó. Nos dois casos, está claro que pessoas mentalmente perturbadas estão envolvidas e que precisam de tratamento especializado com urgência. Mais evidente que isto, porém, é o fato de que as crianças indefesas estão mortas e que não terão chance de tratamento, algo que ainda resta aos seus algozes. Claro, também, é o fato de que as pessoas especialmente escolhidas e pagas para proteger os direitos destas crianças falharam em suas obrigações. Se isto aconteceu por omissão, falta de estrutura de trabalho ou despreparo, não está claro. Possivelmente, tudo isso faça parte nas duas tristes situações, as quais revelam certa dose de psicopatia presente em cada humano e que, com o aumento do egocentrismo, começa a se manifestar com intensidade cada vez maior na sociedade. Conselheiros tutelares, que na maior parte das cidades são em número insuficiente, em raros casos são profissionais especializados para desempenhar as funções estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Além disso, a remuneração que lhes é oferecida dificilmente atrai pessoas que, em tese, teriam melhores condições de avaliar certas situações de risco. Isto não significa, porém, que os escolhidos hoje sejam desqualificados ou despreparados. Reforça, contudo, a evidência de que estes profissionais precisam com urgência ter acesso a especialização para que tenham melhores condições de desempenhar seu papel. Mostra, ainda, que os municípios, que têm a responsabilidade de bancar os conselhos, são omissos. Os dois casos extremos de violência são, com toda a certeza, somente a ponta de um gigantesco iceberg de maus-tratos a crianças em todas as cidades. E, se falhas aconteceram em situações de extrema gravidade é possível concluir que a situação é bem pior nas demais situações. Não se trata de exigir que a rede de proteção aos direitos da criança tenha bola de cristal e que possa adivinhar o que é ou não perigo real. Trata-se de profissionalizar, ao máximo, esta rede de atendimento, que começa nos conselhos, passa pela polícia e chega ao Judiciário, que normalmente dá a última palavra. O julgamento e todo o Caso Isabela, apesar de ser um grande espetáculo midiático, certamente só conseguem atingir este status porque a sociedade como um todo está, até certo ponto, assustada com seu lado psicótico, cruel e calculista. São pechas que milhões e milhões atribuem ao casal Nardoni, e condenam com todas as suas forças, porque não conseguem admitir que em parte sejam tão doentes e cruéis quanto julgam ser o casal. Então, para lidar com uma sociedade doente, a rede de proteção aos direitos das crianças precisa, mais do que nunca, ter especialização acima da média. Voluntarismo não basta.