Com uma trajetória que cobre seis décadas de arte e militância cultural, Humberto Espíndola completou 79 primaveras na segunda-feira (4). Mas a celebração prossegue, pelo menos, até o fim de semana, com a estreia do novo espetáculo do grupo de dança Funk-se.
“Minhas Pinceladas Dançam” poderá ser visto, em curta temporada, de sexta-feira a domingo, no Armazém Cultural (Av. Calógeras, nº 3.065, Centro), sempre a partir das 20h. As apresentações são gratuitas.
A vivacidade dos movimentos, a energia das cores e o teor crítico da pintura de Espíndola sempre calaram fundo na sensibilidade do coreógrafo Edson Clair.
O diretor do Funk-se conta que a ideia de produzir a nova montagem surgiu durante uma conversa com o artista, que elegeu, desde o início da carreira, a bovinocultura como fulcro central do seu trabalho.
BOVINOCULTURA
Bovinocultura no sentido literal, da plástica rica e envolvente que Espíndola apreende na figura e cenário dos garrotes, mas também na série de metáforas – sociais, políticas, existenciais – que ele observa, intui e expressa em suas pinceladas, que correram, e correm, o mundo, mobilizando a atenção e intrigando o público de diferentes formas.
O nome do espetáculo veio do mesmo bate-papo com o artista visual que acabou instando Edson Clair a se debruçar sobre a reconhecida obra de Humberto para buscar uma tradução nos corpos do seu elenco e no conjunto cênico a ser conferido em “Minhas Pinceladas Dançam”.
A montagem foi viabilizada com recursos do Fundo Municipal de Investimentos Culturais (FMIC).
“Me causou bastante interesse em fazer essa ponte entre artes visuais e dança. Ele falou que, quando pinta, ele dança: ‘Minhas pinceladas dançam’.
É uma homenagem que se faz urgente, por tudo que ele representa para a cultura de Mato Grosso do Sul e também de Mato Grosso e por ser um artista global. Ele colocou o Estado no mapa de atenção ao que se produzia aqui”, afirma Clair.
PRAZER E DESAFIO
No palco, lançando mão da liberdade criativa com que processa a street dance e outras expressões da dança urbana contemporânea, os intérpretes do Funk-se – Ariel Ribeiro, Bia Ramos, Carla Carolina, Emilly Ferreira, Kleiton Medina e Leonardo Miyahira – terão a missão de conjugar seus movimentos com a linguagem do videomapping, que foi adotada para compor o cenário e, de certa maneira, redefinir o figurino e a silhueta dos dançarinos em ação.
Clair diz que a tarefa não foi das mais fáceis. “O vigor dos traços, a vivacidade das cores. Interpretar essas características em dança foi um desafio”, admite o diretor.
Apesar disso, ele completa dizendo que essa foi uma dificuldade prazerosa.
“Mesmo que a dança, por sua própria natureza, traga em si algo de híbrido, entre música, gesto e plasticidade, a proposta pretende trabalhar nessas fronteiras, desafiando os limites perceptivos que distinguem formas simbólicas da arte que só existem porque as pensamos de maneira separada”, conta o diretor do Funk-se.
“É quando nos damos conta de que tocar nessas barreiras imaginárias pode ser incômodo. Agradavelmente incômodo”, constata Edson Clair, que vem ensaiando com o seu grupo desde julho do ano passado, com direito a alguns problemas de saúde entre os bailarinos, que provocaram atraso no andamento da produção.
Com a proximidade da estreia, os ensaios foram intensificados e passaram a incluir ajustes de figurinos e cenários, marcação de luz e outros detalhes. Antes de tudo isso, o grupo mergulhou na pesquisa sobre a obra e as fases da carreira de Espíndola, que também é um praticante de outras técnicas e linguagens, como a escultura e a literatura.
VIDEOMAPPING
“Como se trata de um tema de representação imagética, conversando com a Natália Gameiro [criadora do cenário] e a artista visual Natacha Miranda [responsável pela criação de imagens e o videomapping], chegamos à conclusão que seria imprescindível envelopar a cena com imagens, como se os bailarinos estivessem inundados, perfeitamente inseridos nelas. Como se fizessem parte”.
“O videomapping adiciona sentido e ilustra ao mesmo tempo. E será o cenário do trabalho. Como uma grande tela”, adianta Clair.
“A trilha é original para o espetáculo, criada pelo músico Wesley Silveira, a partir de um questionamento ao Humberto sobre as influências musicais dele. Foi construída em cima de ruídos de berrante, sons de boi, guarânias, música eletrônica mixada com sons rurais, etc.”, conta o coreógrafo.
O GRUPO
A canção “Funk-se Quem Puder” (1983), de Gilberto Gil, inspirou o nome do grupo, ao cravar, no refrão, que é imperativo dançar.
Desde seu surgimento, em 1996, o Funk-se tem como motivação e missão abrir acesso para todas as camadas da população para a sua prática artística.
O Funk-se utiliza a cultura hip hop e a street dance para forjar uma estreita relação com seu público desde quando surgiu.
Com vocação na formação, é um dos responsáveis pela disseminação das danças urbanas em Campo Grande e no Estado, por meio de oficinas e projetos sociais.
A investigação concentra-se em descobrir novas possibilidades corporais a partir de técnicas de diferentes danças urbanas, buscando desenvolver um trabalho autoral, marcado por um percurso de “investigação das sensações que estimulam os corpos a partir da individualidade dos intérpretes”.
Desde 2017, o grupo apresenta suas criações em diversos espaços de Campo Grande, Três Lagoas, Coxim e outras cidades de Mato Grosso do Sul, com destaque para o espetáculo “Deslimites”.
O DIRETOR
Premiado três vezes com primeiro lugar na categoria Dança Livre Conjunto do Festival Onça Pintada (2018, 2019 e 2021), Edson Clair acumula trabalhos em outros grupos, como o Streetpop, e projetos mais abrangentes, como o MS Street Dance Festival, que criou em 2004.
Coordenador do Espaço FNK, em Campo Grande, ministra oficinas de dança de rua há duas décadas, com foco principal na população de menos recursos.
Clair concebeu, dirigiu e coreografou mais de 20 espetáculos e, em 2018, foi homenageado pela 12ª Semana de Dança da Fundação de Cultura do Estado.




