A poucas quadras de minha rua, há uma livraria que abriga uma casa de empanadas. São deliciosas e gordinhas como as empanadas devem ser. A banha de porco, parte de sua receita, e os recheios fartos, de tão saborosos, sobrepõe a culpa de serem escolhidos como refeição quando, na verdade, nasceram para lanche. Outra boa justificativa para a escolha é o combo salada + duas empanadas que faz a coisa toda parecer de um equilíbrio digno de ser relatado ao nutricionista. Vez por outra, almoço por ali. Para além das atrações acima mencionadas, há também a fila do caixa da livraria.
As mesas estão posicionadas diante do caixa, e o lugar acaba por ser perfeito para assistir às compras de cada um dos leitores. À medida que se aproximam, passo a imaginar o que levarão pra casa. Esse aí tem cara de autoajuda, aquele decerto é dos quadrinhos, olha lá que danada, três romances de uma vez só, essa bronzeada como está, deve ler na praia. Empanada, salada e muito julgamento superficial. Lembrei de minha mãe, quando éramos pequenas repetindo: "observar sem julgar, observar sem julgar".
Pois bem observava eu um homem de seus 30, 40 anos na fila. Com um grande volume do Vade Mecum 2019. Carregava o livrão orgulhoso e já imaginei um milhão de histórias que sustentavam a minha tese do advogado envaidecido com sua escolha profissional. Há algo sobre quem segura um livro com o título voltado para frente e não para o corpo que me comove. Gosto de pensar que diz de uma confiança bonita de se ver. Pode também dizer de uma necessidade de aprovação alheia, que de bonita não tem nada, está mais para sofrida, mas que por razões opostas, segue comovente. Ele manteve a postura de "quem quiser pode olhar" até o momento de entregar o cartão.
Com o livro já pago, encostou no balcão da lanchonete, tirou uma caneta do bolso, abriu a primeira página e passou a escrever o que deveria ser uma dedicatória. À medida que a caneta corria no papel, corriam também lagriminhas discretas no rosto daquele homem que, provavelmente, vivia, diante de nós, um momento importante. Orgulhava-se de um outro. Vade Mecum é uma expressão que vem do latim, significa vamos juntos. Gosto tanto de pensar que estamos todos juntos. Eu, o moço emocionado, a moça bronzeada, o dos quadrinhos, o da autoajuda, a dos romances, a caixa da livraria, o cozinheiro das empanadas, o nutricionista. Somos todos, de alguma maneira, testemunhas de nossas narrativas. Há sempre alguém para quem um livro pode – ou até deve – ser dedicado, ainda que esse alguém seja quem dedica. Vade Mecum.