Após o juiz Renato Almeida Reyes pedir liminarmente a anulação das multas aplicadas nos últimos 12 meses em Campo Grande, bem como a suspensão do pagamento aplicadas desde que o contrato entre a Prefeitura e o Consórcio Cidade Morena chegar ao fim, a "novela dos radares" ganhou um novo capítulo com a tentativa da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) de "revalidar" as milhares de penalizações do período.
Ainda ontem (17), como bem esclarece o advogado Valdir Custódio, um agravo contra a decisão liminar foi distribuído ao Tribunal de Justiça, com seu respectivo desembargador para julgá-lo, com a Agetran alegando o que já havia justificado na ação anterior, a "necessidade de fiscalização para preservar a segurança viária da população".
Segundo a Pasta de transporte e trânsito de Campo Grande, o trânsito poderia se tornar um caos, gerando um consequente aumento no registro de acidentes e um possível reflexo no número de óbitos e lesões na Capital, o que o advogado diz ser infundado.
"O serviço de fiscalização eletrônica, ele não é essencial, como são aqueles que se destinam a toda a população de uma forma ampla e restrita e que impacta diretamente na saúde das pessoas, como quando falamos de coleta de lixo, saúde, segurança sanitária. Trânsito, a Agetran pode muito bem continuar cuidando da segurança viária com a equipe de agentes e com a estrutura material que ela tem", comenta ele.
Segundo o advogado, a Agência possui viatura, moto e agentes treinados para cuidar do trânsito e lavrar infrações, como bem abordou o Correio do Estado quando a Capital já estava sem radar, com a possibilidade de multar apenas com bloco e app do Detran.
Entre outros pontos, a Agetran afirma em agravo de instrumento que, "a liminar deferida, ao determinar a cessação das penalidades via AGETRAN, não pode ser cumprida (por ausência de competência da autarquia municipal), além de não afetar a validade dos atos sancionatórios regularmente praticados pelo Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso do Sul (Detran-MS)".
Com isso, eles requerem o integral provimento ao agravo de instrumento, reformando-se a decisão agravada, assegurando-se a continuidade e regularidade da atuação da Agetran, na defesa da ordem pública e da segurança no trânsito.
Sem contrato
Além da capacidade da Agetran, cabe lembrar que o vencimento do contrato original de radares data de 05 de setembro de 2024, a partir de quando a Pasta começou a ser questionada a respeito da continuidade do serviço e legalidade.
Como bem relembra o advogado, realizar a delegação desse poder de polícia sem a existência de um instrumento contratual válido é uma ilegalidade e é uma improbidade administrativa flagrante, citando inclusive a época em que Marquinhos Trad recebeu a administração de Alcides Bernal.
À época, a situação era bastante semelhante, uma vez que Bernal não havia realizado licitação para os radares, ocasião em que o agora vereador, enquanto chefe do executivo, optou por colocar capas pretas nos radares e não multar o campo-grandense sem um contrato válido, seguindo recomendação inclusive do próprio Ministério Público.
Para seguir com os pagamentos ao antigo consórcio, enquanto não havia uma nova empresa para tocar os radares, através da Agetran o Executivo formalizou dois "Termos de Reconhecimento de Dívida" de aproximadamente R$ 2,5 milhões cada, somando R$ 5.093.167,19.
Segundo a Agetran, os reconhecimentos de dívidas seriam "medida legítima para evitar enriquecimento ilícito da Administração".
Na própria liminar, o juiz Flávio Renato Almeida Reyes citou que, ainda que se trate de uma situação momentânea e excepcional, a contratação do Consórcio deveria ser precedido de um aditamento.
"... De uma dispensa de licitação ou de qualquer outro instrumento idôneo, que não o reconhecimento de dívidas, que não poderia jamais anteceder os fatos: o reconhecimento de dívida é ato que recai sobre o passado, e não sobre o futuro", diz.
Multas "ilegais"
Que as multas em Campo Grande seguem sendo cadastradas mesmo após o fim dos radares não é novidade, uma vez que após o contrato original vencer, entre os dias 23 de setembro e 03 de outubro de 2024 pelo menos 94 páginas de autuações de veículos foram publicadas através do Diário Oficial de Campo Grande.
Também cabe relembrar que, a Agetran já havia mostrado postura de "afronta" à decisão judicial com a publicação de mais uma leva de autuações e penalidades aos condutores, no último 12 de setembro, referentes a um período anterior ao novo contrato para gestão dos radares.
Para se ter uma ideia do volume, somente em aproximadamente um terço desse total, há aproximadamente 7,3 mil infrações registradas em apenas 34 dessas páginas de multas aplicadas. Na última publicação citada, havia um total de 36 novas páginas, sendo um edital de notificação de autuações e dois de penalidades, somando aproximadamente 7,8 mil condutores notificados por penalidades no trânsito em Campo Grande.
Também cabe relembrar que, mesmo após abertura da ação para anulação, as multas seguiram sendo cadastradas em Campo Grande neste 2025, uma vez que dados de arrecadação da Agetran mostram que, sem radares e lombadas - e suas respectivas multas - a pasta da Capital deixa de contar com cerca de R$ 3 milhões ao mês.
Ex-prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad é autor da ação enquanto vereador - na tentativa de anular mais de 320 mil autuações, como acompanha o Correio do Estado - e, sobre a nova leva de notificações, ele expõe achar um absurdo tendo em vista que não existe um contrato vigente.
"Vendo que não há contrato vigente é a demonstração de como a Prefeitura de Campo Grande 'cuida' da sua gente", afirmou em entrevista ao Correio do Estado.
Com ampla veiculação do assunto pela imprensa local, é notório que tanto o diretor-presidente quanto a Prefeitura municipal confessaram ter ciência da decisão liminar, portanto a publicação de tais editais só poderiam acontecer com autorização expressa.
"O diretor (Paulo da Silva) não publicaria se não tivesse aval da prefeita e da PGM [Procuradoria Geral do Município], do departamento jurídico. Ele só fez a publicação, porque vai alegar que não foram avisados ou intimados oficialmente . Conclusão, continuam cometendo atos de improbidade administrativa", conclui ele.
Em resposta ao Correio do Estado, a Pasta deixou claro que realizaram a publicação do edital para não perder o prazo de aplicação das multas, em "afronta" à decisão do juiz, uma vez que demonstra a crença de que devem conseguir receber a arrecadação pelas autuações.
Segundo a Agetran, as autuações foram aplicadas antes da concessão da liminar - pois essas em questão são referentes ao período entre 21 e 31 de agosto -, ressaltando que há uma série de prazos legais entre as emissões e notificações. Segue abaixo na íntegra a nota de retorno da Agetran.
"A Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran) informa que as autuações foram aplicadas antes da concessão da liminar, considerando que a publicação das autuações ocorre em intervalos de 10 dias. Ressaltamos ainda que há prazos legais tanto para a emissão das notificações quanto para sua publicação.
A Agetran reforça seu compromisso contínuo com a melhoria da mobilidade urbana e da segurança viária".
Troca de empresa de radares
Desde 2018 a gestão desses equipamentos registradores de infrações em Campo Grande foi feita pelo Consórcio Cidade Morena, que anotou o máximo de aditivos permitidos no período, sete no total, que somaram R$54.820.284,75.
Com o fim da contratação original, o próximo passo para finalmente firmar um novo contrato com uma empresa, para assumir a gestão dos equipamentos, foi dado quase 350 dias após o vencimento do contrato original de radares,
Desde o fim do contrato anterior, a Prefeitura Municipal foi consultada a respeito da legalidade das multas aplicadas, entre outros assuntos, com dúvidas que não foram sanadas, inclusive com ação recentemente movida pelo vereador Marquinhos Trad, para tentar anular aproximadamente 320 mil infrações registradas no período.
Sem os radares e suas respectivas multas, com base nos dados de arrecadação da Agência Municipal de Transporte e Trânsito (Agetran), a pasta da Capital deixa de contar com cerca de R$ 3 milhões ao mês, conforme balanço feito pelo Correio do Estado no ano passado.
Após a empresa Serget Mobilidade Viária sair vencedora da concorrência com uma oferta de R$ 47,9 milhões, quase R$ 3 milhões a menos que os R$ 50,2 milhões estipulados pelo certame, em um contrato de 24 meses que pode se estender por um prazo total de até 10 anos no comando dos radares de Campo Grande, a nova responsável precisará agora trocar todos os radares.
Para além de se encarregar da troca de todos os radares, a Serget Mobilidade Viária deverá fornecer a devida plataforma de gestão de dados, mais: central de monitoramento; sistema de análise e inteligência de imagens veiculares e de processamento de registros de infrações de trânsito nas vias e logradouros públicos.


