Documentos oficiais do Ministério da Justiça revelam um abismo entre o cofre e a realidade carcerária em Mato Grosso do Sul. A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) admite que cerca de R$ 10 milhões repassados ao Estado, parte deles ainda em 2017, para obras essenciais de segurança elétrica, prevenção de incêndios e reforma de celas, jamais resultaram no início das obras.
Inspeções feitas nas unidades prisionais, descrevem um cenário de “infiltrações, ausência de ventilação” e falta de oferta de trabalho para os detentos, gerando o que o governo classifica como “fator de risco institucional”.
O levantamento foi feito a partir do Relatório de inspeção em espaços de privação de liberdade no estado de Mato Grosso do Sul, realizado em outubro de 2024, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), com a presenca de defensores públicos estaduais.
A paralisia atinge dois dos principais estabelecimentos penais do Estado. No Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, a Máxima, em Campo Grande, uma verba de R$ 5,8 milhões destinada especificamente para “instalações elétricas e segurança contra incêndio e pânico” dorme nas contas do governo desde 2017.
O valor, corroído pela inflação de quase uma década, não se transformou em nenhuma melhoria, colocando a massa carcerária e os servidores sob risco constante.
Já na Penitenciária Estadual de Dourados, mais de R$ 4,1 milhões destinados à reforma do Raio 2 (repasses de 2017 e 2022) também constam com o status “não iniciada”.
Para o Presídio de Segurança Máxima da Capital a verba não utilizada seria de R$ 5,8 milhões - Foto: Gerson OliveiraEm um outro despacho, a Divisão de Trabalho da Senappen reconhece a gravidade da situação. Ao analisar um Relatório do MNPCT, e o órgão federal confirma um “quadro crítico”: ambientes insalubres que inviabilizam até a instalação de oficinas de trabalho.
“Observa-se ainda a inexistência de planejamento estratégico (...) sem metas definidas”, aponta o documento técnico, ressaltando que a ociosidade dos presos agrava quadros de ansiedade e potencializa a violência interna. A Senappen, em sua defesa técnica, alega que repassa os recursos fundo a fundo e que cabe ao estado do Mato Grosso do Sul alocar a verba “conforme sua conveniência e oportunidade”, diz trecho do relatório.
Um ponto do documento chama atenção para valores ainda maiores.
“Ademais, cabe destacar que aquela unidade da federação dispõe de mais R$ 42.460.304,03 (quarenta e dois milhões, quatrocentos e sessenta mil, trezentos e quatro reais e três centavos) de recursos repassados via fundo a fundo para aplicação em obras de construção, reforma, ampliação e aprimoramento de estabelecimentos penais e, ainda, quatro contratos de repasse vigentes que possibilitarão a construção de quatro unidades prisionais, sendo uma feminina, com investimentos federais da ordem de R$ 59.534.509,82 (cinquenta e nove milhões, quinhentos e trinta e quatro mil, quinhentos e nove reais e oitenta e dois centavos)”, diz o documento.
OUTRO LADO
A Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) respondeu, em nota, que não possui competência técnica para tocar as obras e que a responsabilidade é da Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos (Agesul).
“À Agepen cabe a gestão administrativa e operacional das unidades, enquanto a elaboração de projetos e execução de obras é inteiramente conduzida pela Agesul”, cita a nota oficial.
Sobre os valores da obra na Máxima, a Agepen confirma que os valores repassados em 2017 pelo governo federal, cerca de R$ 6 milhões, seguem depositados e “gerando rendimentos”. Assim como os R$ 4 milhões enviados, entre 2017 e 2022, para a penitenciária de Dourados.
Segundo a Agepen, nestes quase 10 anos em que o dinheiro foi enviado, o órgão “jamais considerou tais obras como não convenientes ou inoportunas”.
As obras não teriam avançado em razão de “revisões técnicas obrigatórias e complexas; atualizações normativas; necessidade legal de reformulação de projetos e orçamentos; alta carga de demandas sob responsabilidade da Agesul [Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul] e da obrigatoriedade de total conformidade técnica antes da licitação”.
*SAIBA
O levantamento foi feito a partir do Relatório de inspeção em espaços de privação de liberdade no estado de Mato Grosso do Sul, realizado em outubro de 2024, pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.


