Após a publicação da reportagem “Suicídios levam polícias de Mato Grosso do Sul a 'crise invisível'", a Delegacia-Geral de Polícia Civil (DGPC) respondeu que criou um protocolo, em vigor desde maio, para oferecer suporte a policiais expostos a eventos traumáticos.
Além disso, a Polícia Civil está implementando avaliações psicológicas e físicas periódicas para identificar necessidades e auxiliar em estratégias de prevenção.
A DGPC também justificou a inclusão do apoio espiritual na mesma coordenadoria do atendimento psicossocial, citando o reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a espiritualidade como um componente da saúde.
A nota explica que o foco é na espiritualidade, não em religião, e que esse suporte é oferecido por profissionais teólogos, atuando principalmente na prevenção do adoecimento mental de policiais e seus familiares.
Para o futuro, a DGPC planeja fortalecer sua rede de apoio através de parcerias com universidades, sindicatos e planos de saúde. A instituição também pretende expandir programas de bem-estar, como ginástica, meditação e dança, e implementar ações como preparação para aposentadoria e educação financeira.
Outro projeto destacado é o "Programa Capilaridade", que visa capacitar policiais em áreas mais afastadas para oferecerem o primeiro acolhimento a colegas em necessidade.
Crise invisível nas polícias de MS
Um levantamento da própria instituição, obtido via Lei de Acesso à Informação (LAI), revela que, entre 2019 e abril de 2024, nove policiais militares de Mato Grosso do Sul tiraram a própria vida. O número é alarmante, especialmente quando comparado com a taxa nacional. Na Polícia Civil, desde 2014 foram 11 suicídios de policiais, entre eles, um delegado de polícia.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Mato Grosso do Sul teve a maior taxa de suicídio entre policiais militares e civis do Brasil em 2022, com 0,6 por mil policiais na ativa. O número é superior até mesmo ao de estados com efetivos muito maiores, como São Paulo e Rio de Janeiro.
O estresse crônico, a exposição à violência e traumas constantes são os principais fatores que levam a transtornos como a síndrome de burnout, ansiedade e depressão. Além disso, a cultura militar, que valoriza a força e a resiliência, impõe um pesado estigma sobre a busca por ajuda psicológica, especialmente entre os homens.
Três estudos feitos na UFMS que abordam a questão da saúde mental dos policiais de Mato Grosso do Sul. A primeira, de Fabiana Souza Pedraza, psicóloga e policial civil, usou inteligência artificial para identificar que o reconhecimento formal, como elogios e premiações, pode reduzir o risco de adoecimento em quase 50%, enquanto a instabilidade na carreira, com mudanças constantes de setor ou cidade, aumenta as chances de desenvolver transtornos mentais.
A pesquisa propõe um Sistema de Intervenção Precoce (SIP) para identificar policiais em risco e agir preventivamente. A segunda dissertação, de Julyana Sueme Winkler Oshiro, apontou que 100% dos policiais de um setor administrativo se sentiam desmotivados e incompetentes, mostrando que a linha entre disciplina militar e assédio moral é perigosamente tênue. Por fim, a pesquisa de Carmem Gress revelou uma relação direta entre o estresse profissional e o risco de suicídio.
Embora existam iniciativas como o programa federal "Escuta SUSP" e o Departamento de Gestão de Pessoas da Polícia Civil, o atendimento ainda é visto como reativo, dependendo da iniciativa do policial para buscar ajuda.
As entidades de classe, como o Sinpol/MS e a Adepol, reconhecem a gravidade do problema e implementam programas próprios ou apontam a falta de reconhecimento e a "policiofobia" da sociedade como fatores que contribuem para o adoecimento da categoria.



